Caros Leitores!
Estes dias a morte tem sido pauta de minhas reflexões, em decorrência de estados de doença na família e falecimentos de conhecidos e parentes de amigos meus. Ai pensei neste texto que escrevi a alguns anos e que, apesar de triste, me faz pensar na importância de aproveitar melhor a vida e o o tempo.
Um
instante súbito!
A
paisagem obscura e clara, claramente obscura, iniciara um desvelamento que até
então aquele espírito materializado negara-se a despir. Ao fechar a porta de
sua escrivaninha começara a abrir uma fresta onde um fio de luz e ar ocupava
espaço no território que se diluía, corroído pela vegetação humana animalesca.
O movimento que escondeu os objetos carcomidos por animais artrópodes foi o
mesmo que começara a esvaziar a sobrecarga de vazio que ocupava aquela forma
informe, esmagada pelo peso da presença do nada.
Não teria permitido a
despedida de uma lágrima se não estivesse sido apunhalado pelas aranhas
laboriosas que, felizes e tranqüilas, efetivavam seus projetos instintivos de
habitar espaços esquecidos.
Que instinto curioso!
Instinto que
engravidava a vida daquele animal artrópode que nos seus idos e vindos da
inconsciente labuta, preenchia sua vida onde o nada é sempre tudo e nada, e o
tudo é o inconsciente eternizado. É certo que é a própria condição do eterno
inconsciente, que é o tudo e o nada, que priva aquele ser fragilizado de fechar
as portas e contemplá-las por um instante que se tornaria eterno.
Teias, teias, teias,
teias...
aranhas, aranhas, aranhas, aranhas...
tudo e nada, tudo e nada...
presença e ausência, presença e ausência...
completude e vazio, completude e
vazio...
teias, aranhas, tudo, nada, presença, ausência, completude e vazio.
O
tudo que é nada.
Assim como a presença que é ausência e a completude que é
vazio e o vazio que se esvazia de nada e de tudo e que se alimenta das teias e
das aranhas para recuperar a lágrima que, abortada, desapegara-se de seu corpo
sem sol e sem lua.
Por mais um instante,
no meio daquele instante único, seus olhos absortos desviaram-se daquela porta
fechada para contemplar a mesma paisagem da nudez que se lhe apresentava. A
lágrima abortada insistiu em manter-se viva diante de seus olhos aparentemente
abortados, e num aceno de voracidade e angústia ela foi tragada e degustada por
uma vontade movida por um lapso de consciência e reação instintiva. Lapso, que
vislumbrava a recente e empoeirada paisagem do vazio. Consciência, instinto e
incompreensão transitaram naquela mente perturbada pela novidade do já antigo.
Não conseguira
registrar a multiplicação das lágrimas que se despediam como folhas de outono.
Degustava-as, e eram como sementes em terra fértil, onde os frutos, de tantos
que se geravam, caíam sobre a superfície e alimentavam a terra úmida e
receptível.
Degustava suas próprias
lágrimas amargas e ainda vivas que se expandiam por entre sua estrutura
orgânica e se alastravam por sobre sua estrutura tátil, deslizando por entre os
labirintos de seus pelos salientes, desaguando sobre os pés daquela escultura
cimentada e rachada, diante da porta fechada.
Embriagara-se de suas
lágrimas salobras e depressivas, angustiadas e libertadas. Embriagara-se do
cheiro de cimento molhado e da paisagem nova e ainda velha, contrastando com o
registro fétido de suas dores, ainda que em estado de calmaria insana.
Continua...
Até próxima quinta.
Cheiro de Vida
Gilson Reis
Aranhas que se escondem pelas entranhas dos esquecidos...
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