Aos 16 anos, a paquistanesa Malala
Yousafzai tornou-se a maior voz mundial em defesa da educação feminina. Nos
meses em que o Talibã dominou a região em que vivia no Paquistão, entre 2007 e
2009, as escolas para meninas receberam ordem de fechar as portas. As que não
obedeceram foram dinamitadas. Por contar das suas privações em um blog e falar
contra a opressão sofrida pelas mulheres em seu país, ela se tornou alvo do
grupo extremista. Em outubro do ano passado, um membro do Talibã disparou
contra Malala no ônibus em que a menina voltava da escola. Ela foi submetida a
uma cirurgia na cabeça e agora vive em Birmingham, na Inglaterra, com a
família.
Confira abaixo a entrevista de Malala Yousafzai:
Por que o Talibã tem medo de
você?
O Talibã tem medo porque sabe que, se
as mulheres tiverem acesso à educação, serão capazes de exercer um papel ainda
maior do que o que elas já têm na sociedade. Em geral, são as mulheres que
cuidam das famílias. São elas que administram a casa, cuidam dos filhos. Com a
educação apropriada, elas poderão ter ainda mais oportunidades. Isso assusta o
Talibã. É uma visão muito ruim, porque o mundo precisa de igualdade. Se as
mulheres, que são metade da população mundial, não tiverem acesso à educação, o
mundo não se desenvolverá. O Talibã também desenvolveu um sistema próprio de
leis, que não tem nada a ver com o Islã. O Islã nos diz que a educação e o
conhecimento são direitos de todas as pessoas. Então, eu acho que o Talibã não
leu o Corão da forma apropriada. Eles precisam sentar e ler o texto novamente,
com calma. O profeta Maomé nos ensina sobre igualdade, sofre fraternidade,
sobre o amor ao próximo. O Talibã se esquece de tudo isso e só se lembra da
jihad (guerra santa). Nós, meninas, temos nossa própria jihad
pela qual lutar. Temos que lutar pelos nossos direitos e pela educação.
Já se passou mais de um ano desde o ataque que você sofreu. Você tem pesadelos com o Talibã?
Já se passou mais de um ano desde o ataque que você sofreu. Você tem pesadelos com o Talibã?
Não, eu me sinto muito bem. Também
não me vejo como a menina que foi atacada pelo Talibã. Eu me sinto normal. Acho
que é da natureza humana. Deus é muito bondoso conosco quando se trata de
esquecer as coisas ruins. Devemos agradecer a Deus por isso todos os dias.
Você foi recebida pelo presidente americano, Barack Obama, na Casa Branca. Como foi o encontro?
Você foi recebida pelo presidente americano, Barack Obama, na Casa Branca. Como foi o encontro?
Eu gostei bastante. O presidente
Obama me recebeu com sua mulher, Michelle Obama, e sua filha mais velha, Malia.
Nós conversamos sobre a situação da educação no Paquistão e também sobre a
importância de motivar as crianças nos Estados Unidos a frequentar a escola.
Nossa conversa se estendeu e eu pude falar de assuntos que hoje estão em
discussão em meu país, como os drones. Eu disse a ele que sei que é verdade
que, nos ataques com drones, os responsáveis pelo terrorismo são os alvos, como
é o caso dos líderes do Talibã, mas que pessoas inocentes também são mortas
nessas ações. É verdade que os drones estão matando o terrorismo, mas também
estão contribuindo para aumentar o ódio em países como Paquistão e Afeganistão,
o que acaba criando mais e mais militantes do Talibã. Obama me ouviu. Eu também
disse a ele para investir parte do dinheiro que o país gasta em países como
Afeganistão e Paquistão em educação e paz, e não só em armas e exército. Isso
resultaria em um desenvolvimento muito maior para esses países.
Decidi que quero ser política porque
a verdadeira política pode salvar todo um país. Na maior parte das vezes, os
políticos são desonestos e não fazem nada bom. Em vez de ficar sentada
criticando o trabalho deles, quero seguir esse caminho para fazer diferente.
Quero guiar o meu país pelo caminho certo. Vou transformar a educação na maior
prioridade do Paquistão. Há muito para fazer nessa área. Quero transformar o
Paquistão em um país desenvolvido. Mostrarei às pessoas um Paquistão de
paisagens maravilhosas, de pessoas incríveis, de recursos fantásticos.
No Paquistão, muitas meninas da sua idade já estão casadas e com filhos. Você aceitaria um casamento arranjado?
De forma alguma. Sou totalmente
contra casamentos forçados porque eles destroem o futuro das meninas. Na minha
escola no Paquistão, havia uma menina que abandonou os estudos muito cedo, acho
que ela tinha 11 anos na época. Dois ou três anos depois, ela me ligou. Ela me
disse que já estava casada e tinha dois filhos. Imagine só, ela tem a mesma
idade que eu e já tem dois filhos! Não quero que as pessoas sejam forçadas a se
casar tão jovens.
Hoje você vive na Inglaterra. É melhor ser menina na Inglaterra ou no Paquistão?
Hoje você vive na Inglaterra. É melhor ser menina na Inglaterra ou no Paquistão?
Na Inglaterra, as mulheres têm a
oportunidade de descobrir quais são seus talentos. Toda mulher pode decidir o
que quer fazer da vida e pode efetivamente realizar seus sonhos. No Paquistão,
somos limitadas. Não temos a chance de identificar nossos talentos nem
descobrir nossas habilidades. Só podemos ter filhos e cuidar de nossa família.
É cozinhar o dia todo, limpar banheiros. Esse é nosso trabalho a vida inteira.
A mulher não tem a chance de se conhecer. No meu país, quando eu saía da
escola, eu não podia nem conversar com meus amigos na saída. O difícil é que
isso envolve também regras culturais, que são difíceis de mudar de uma hora
para outra, mas não impossíveis. Foram os homens que criaram as culturas e as
tradições, então podemos fazer algo a respeito.
Você não tem medo de voltar ao Paquistão e ser assassinada pelo Talibã?
O Talibã tentou me matar e fracassou.
Agora estou certa de que as pessoas não querem me matar. Eles entenderam que
minha causa é a educação. Mesmo se eu for baleada, a minha causa não deve mudar
com a minha morte. Essa causa nunca vai morrer. Além disso, as pessoas não precisam
temer a morte. Eu vi a morte na minha frente e agora já não tenho mais medo
dela.
O Talibã diz que está disposto a iniciar diálogos de paz com o resto do mundo. As potências ocidentais devem se sentar para negociar com o grupo?
O Talibã diz que está disposto a iniciar diálogos de paz com o resto do mundo. As potências ocidentais devem se sentar para negociar com o grupo?
Penso que o dinheiro que todos esses
países gastam com armas e exército deveria ser gasto em educação. Para mim, a
educação é o caminho para acabar com o terrorismo e com outros males do mundo,
como a pobreza.
O que você acha dos madraçais, as escolas religiosas que ensinam uma versão ultraconservadora do Corão?
O que você acha dos madraçais, as escolas religiosas que ensinam uma versão ultraconservadora do Corão?
Nas escolas normais, aprendemos sobre
ciência, matemática, inglês, literatura, poesia e urdu (idioma local). Também aprendemos sobre religião, mas
nos madraçais você aprende só sobre o Islã. Se você estuda a sua vida inteira
em um madraçal, a única coisa que você sabe é dar sermões. Você não pode passar
a vida inteira lendo o Corão, você precisa cuidar de sua família, trabalhar.
Enfim, ter uma vida normal. É bom aprender lendo o Corão. Todos temos uma
religião, mas a vida não se resume a isso.
Além de estudar, as mulheres no Paquistão não deveriam ser livres para andar na rua sozinhas sem precisar da companhia de um homem?
Sempre me pergunto: se um homem pode
andar sozinho na rua, por que uma mulher não pode fazer o mesmo? Eu quero que
as mulheres tenham as mesmas oportunidades. Na Inglaterra, eu posso ir à rua
sem ter um homem comigo, até a minha mãe pode ir sozinha. No Paquistão, as
pessoas dizem coisas ruins para mulheres que andam sozinhas. Precisamos de uma
transformação. Nossa batalha está só começando.
Sua luta teria sido possível sem o apoio incondicional de seu pai (o pai de Malala fundou a escola em que a filha estudava no Paquistão, a Khushal School and College)?
Aprendi muito com o meu pai. Acho que
eu poderia defender essa causa mesmo sem ele, mas não tão jovem. Talvez com 20,
30 anos. Mas o meu pai foi um exemplo para mim e eu fui educada. Eu aprendi
pouco, mas pelo menos aprendi. Sou muito grata a ele por isso.
Você tem apenas 16 anos. As garotas da sua idade têm outras preocupações, como garotos. Você já se apaixonou?
Não, eu nunca tive tempo para pensar
nisso. Tenho uma agenda tão agitada que acho que nunca tive a chance de pensar
em garotos (risos).
Tatiana Gianini
Revista VEJA
Por Gilson Reis
17.10.13
BOALALA...
ResponderExcluirMarli Pereira