terça-feira, 11 de setembro de 2012


Na semana passada publiquei uma parte do poema Cruzes Vazias, de Ni Brisant. Hoje apresento as demais partes do poema. Portanto, caso alguém deseje ver o texto na íntegra, deve buscar a primeira parte na última terça-feira, dia 4.

 Encontro animais a caminho da cama
Já sem sonhos antes do sono
aos beijos (bandos)
formam coletivos de animais no cio
berram palavrões compostos
colecionam corações
pilham corpos
e roncam pesadelos
na falta de natureza para amar
tragam o ópio da desgraça pelos cantos da escuridão
e pela manhã
malham e chupam drops de vitamina C:
demônios latifundiários do tédio sem moral.

Encontro animais a caminho do trabalho
já sem força antes de derramar o primeiro suor
montam cadáveres (nacionais e importados)
dirigem gaiolas
e suportam: sempre amarrados
salários-esmolas, insultos ilimitados, “carteiras” assassinadas
e outros golpes previstos na soberana escravidão oficial
sem crer num deus-salvador-invisível (maquinam)
na falta de dignidade para reagir (sabotam)
juram lealdade a carnês, livros sagrados, cruzes vazias
e outros vilões aparentemente inofensivos
e chegam à aposentadoria sem saber  quem (ou ao quê) serviram:
batalhões de demônios imperadores cabisbaixos.

Ao longo destas 26 léguas,
Já não conto quantos animais encontrei
também não sei mais ao certo a qual espécie pertenço.
Mas das pessoas: homens e mulheres reais,
de tão raros, lembro bem
cada traço, valor e nome
todo sentimento, ritmo e ideia.
Eu e minha gente guardamos a vida no peito
sem desconfiar que a eternidade esteve sempre em nossas mãos.
Antes eu não sabia, mas agora já suspeito de tudo
e ninguém poderá nos deter.
Se juntos, somos mais,
lado a lado,
façamos o caminho inverso,
sejamos infinitos. 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Os Irmãos do Rosário e o Largo do Paissandu Hoje

Como vimos nos depoimentos do texto publicado anteriormente os Irmãos se mostram pesarosos... tristes uma vez que hoje o centro já não é o mesmo de tempos atrás. Aquela região não tem o mesmo valor. O crescimento da cidade transformou-o em um local quase abandonado. Apesar desta situação não se aplicar à área do Triângulo, pois esta continua com sua vida dinâmica durante o dia. No entanto, à noite é um deserto onde poucos se aventuram passar, apesar do movimento de recuperação do centro Velho de São Paulo. O largo do Paissandu, por sua vez está degradado. Parece que foi abandonado pelos poderes públicos. Hoje, aquela região é um composto de abrigo de pessoas de rua, terminais de ônibus que saem principalmente para a zona norte da cidade, camelôs, e pontos de taxi. Sua vida noturna é feita pelas meretrizes que dali tiram seu pão de cada dia, dos cinemas pornográficos e de um comércio formado por bares, restaurantes e salão de beleza, que parece atender uma clientela de baixa renda. Esta situação incomoda os Irmãos do Rosário que vê nele sua história e de seus antepassados. D. Nilsa, Irmã do Rosário, que está há mais de 50 anos na irmandade nos diz como num desabafo que, “tempos atrás os irmãos do Rosário entravam na igreja e saíam correndo de cabeça baixa e ia para casa. Agora não. Hoje mesmo nós podemos sair aproveitar, fazer uma compra. Só é pena porque não tem na Rua Direita o salão de chá, casas de chocolate, padarias vienenses que hoje eu posso entrar e hoje não tem mais. Na Barão de Itapetininga tinha o Fasano; hoje não tem mais. Hoje mudou. Eu posso passar no Viaduto do Chá. Antigamente, quando atravessávamos não podíamos parar, não podíamos sequer conversar nele. Hoje eu posso passear; mas infelizmente não tem aquelas coisas bonitas que conheci. Olhar aquele viaduto era bonito. Conheci ali, com o Anhangabaú do pessoal do mercado, que viam com aquelas carroças, e subiam ali. Era uma ladeira para chegar. Ali tinha um bebedouro na parte de baixo do municipal. Como era uma ladeira, ficava até bonito porque subia aquelas carroças fazendo barulho naqueles pedregulhos, saindo fogo das rodas, iam levar os cavalos para beber água e depois iam embora e aqueles homens que diziam, moro em Santo Amaro, moro não sei onde. E hoje temos tantas outras coisas e não temos nossa liberdade. Hoje não tem como utilizar aquele espaço. Pensávamos que iam fazer um Boulevar uma coisa maravilhosa, mas nada”. Esta, infelizmente, ainda é a realidade do Largo Paissandu hoje; mesmo considerando que este depoimento foi colhido no final dos anos 1990.