Na semana passada, eu falava, no
meu blog, de um pesadelo que tive e que muito me assustou, mas que também muito me ensinou. No facebook, ao ler minha postagem, um amigo chegou a citar um personagem de um autor de romances e contos de terror, o
H.P. Lovecraft. No entanto, eu não curto terror, mesmo os contos de Edgar Allan Poe, quando são muito assustadores, eu tenho dificuldade em acompanhar. rsrsrs
Pois bem, curiosamente, eu dizia isso para esse meu amigo, citando Poe, na semana passada, e dizendo-lhe também que eu gostava mais do poeta Poe do que do contista (e que nenhum crítico de literatura me ouça! rsrsrs)
Agora, começo a ler um livro em que Edgar Allan Poe é um personagem da história contada ali e que é um thriller. De thrilers e histórias de detetive eu gosto, sempre.
Aliás, ouvi dizer que elas, as histórias policiais, têm um efeito terapêutico para pessoas que perderam tudo. Muitos desempregados, por exemplo, leem romances policiais: as pistas para desvendar o “crime” funcionam como um elemento de busca da própria identidade e condição social perdidas.
O livro que estou lendo é de um autor norte-americano chamado Louis Bayard. Ele vive em Washington e escreve para o New York Times e o Washington Post. E para os sistes Nerve.com e Salon.com, entre outros.
Nessa história que estou lendo, tudo é bastante instigante, pois Poe é um jovem cadete de uma tradicional Academia Militar dos EUA, onde ocorreu um crime: um outro cadete, que aparentemente se suicidara, é encontrado morto e, logo depois, seu corpo é profanado: retiram-lhe o coração. Um policial aposentado é escolhido para levar à frente as investigações e escolhe Poe como seu ajudante. Uma das passagens mais bonitas é quando Poe se apaixona por uma jovem, irmã de um dos suspeitos do crime.
Embora, quando contado assim, tudo pareça muito com coisa de adolescente (o que de fato o personagem praticamente é), na verdade, a história é séria e pode nos levar a muitas reflexões, experiência que eu vivi ao ler esse trecho e que acho magnífico:
(...) Miss Marquis ouvia tudo, o bom e o mau, com uma equanimidade quase sacerdotal. Em sua pessoa encontrei personificado o princípio especificado por Terence: Homo sum, humani nil a me alienum puto. De fato, seu espírito de indulgência encorajou-me tanto que, depois de muito pouco tempo, me senti livre para confessar que minha mãe vem mantendo uma espécie de presença supranatural quando estou dormindo e acordado.Nenhuma memória vivente ela me legou em herança, confessei, e, no entanto, ela persiste com tenacidade como memória-espírito.
Ao ouvir isso, miss Marquis olhou para mim com grande prontidão.
“Você quer dizer que ela fala com você? O que ela diz?”
Pela primeira vez naquela manhã, tornei-me reticente. Por mais que ansiasse por contar-lhe, mr. Landor, sobre aquele misterioso fragmento poético, eu não pude. Nem parecia, de modo algum, que ela fosse pedir uma elaboração adicional. Depois de colocar a pergunta, ela a abandonou muito rapidamente e concluiu murmurando: Eles nunca nos deixam, não? Aqueles que vieram antes de nós. Eu gostaria de saber por quê”.
Vacilando, então, falei das teorias que havia proposto para essa mesma questão. “Há momentos”, declarei, “em que creio que os mortos nos assombram porque os amamos muito pouco. Nós os esquecemos, percebe?, não por querer, mas assim fazemos. Toda a nossa tristeza e compaixão dura por um tempo, e no intervalo, por mais longo que dure, creio que eles se sentem cruelmente abandonados. E por isso clamam por nós. Eles desejam ser lembrados em nossos corações. De modo a não serem assassinados duas vezes.”
“Em outros momentos”, continuei, “acho que os amamos demasiado. E como conseqüência nunca ficam livres para partir, porque nós os carregamos, nossos mais profundamente amados, dentro de nós. Nunca mortos, nunca silenciosos, nunca apaziguados.”
“Aparições”, disse ela me olhando de perto.
“Sim, suponho que sim. Mas como se pode dizer que retornaram quando nunca foram embora?”
Ela passou a mão em sua boca – cujo propósito, só pude determinar quando ouvi o arroto de alegria ruidosa transbordando de seus lábios.
“Por que é, mister Poe, que eu passaria, numa próxima ocasião, uma hora com você em” – de novo ela gargalhou – “em reflexões das mais melancólicas e não gastaria um outro minuto falando de trajes e bugigangas e das coisas que tornam as pessoas felizes?”
Um brilho solitário iluminava a base da montanha que fitávamos. Miss Marquis, contudo, voltou sua atenção para outro lado e, com a ajuda de um galho não pontudo, começou ociosamente a desenhar figuras abstratas na borda do granito.
“No outro dia”, ela disse por fim. “No cemitério...” [o primeiro encontro deles fora num cemitério e ela passou mal, chegando a desmaiar.]
“Não precisamos falar disso, miss Marquis.”
“Mas sabe, eu quero falar disso. Que lhe contar...”
“Sim?”
“Quão grata fiquei. Abrir meus olhos, é sério, e encontrar você ali.” Ela arriscou um olhar em minha direção, depois deixou escapar de uma vez. “Olhei profundamente em seu rosto, mister Poe, e encontrei ali algo que jamais havia esperado. Nem em mil anos.”
“O que você encontrou, miss Marquis?”
“Amor”, ela disse.