quinta-feira, 7 de junho de 2012

QUERIDO NALDO


 “Primeiro do que tudo...” quero lhe dizer que as travessias por aqui continuam. Travessia... esta palavra e esta ação tão ricas no seu vocabulário e na sua vida.

Apesar de termos nos falado tanto e de tantas prosas regadas a vinho, cerveja e, no teu caso, até com Santo Daime, ainda há muito o que dizer. Acho que é assim mesmo, numa verdadeira amizade a fonte nunca seca.


Te escrevo esta carta numa vivencia que realizo sobre pessoas de referencia em minha vida. Escrever para alguém que faz parte de minha história de vida e que está junto comigo, na mala de vivências, como alguém que contribuiu na construção, ou se preferir, nas travessias de minha vida.

Mas não vou aqui escrever a partir do que vivi contigo. Hoje não. Vou escrever a partir do que li e senti na sua página, ainda viva, da rede social. Ainda que me pareça te conhecer tão bem, foram muitas as surpresas, mas também as constatações.


Os teus alunos escreveram que tu eras o melhor professor de filosofia da vida deles. Talvez, quem sabe, foram aqueles que mais te davam trabalho e, por isso, os que mais você cuidava. Outros falaram de tua forma brincalhona de estar com eles. Estes, talvez, já haviam se aproximado um pouco mais da porta de tua alma essencial. Lembro de uma estudante mobilizando a captação de dinheiro para o translado de teu corpo, pois, para ela, não era admissível que a família não te olhasse em silêncio. Esta, talvez, já tenha se apropriado do valor que conservavas de tua base.
 
E os amigos! Ah querido! Imaginas o que teus amigos escreveram!! Eu escrevi quase nada. Silêncio. Penetro no silêncio que a interrupção da vida instala. Apenas expressei um verso meu diante da morte, e que diz:

Eu quero a morte da morte.
Só quero o fim do que não pode recomeçar.

Mas, outros exaltaram a tua coragem diante do aparelho policial, aliás, aquela imagem em que você é agarrado no pescoço, por um policial, e impunhas um livro na cara dele, em meio a uma manifestação de greve, é de uma nobreza política tão rara.

Outros escreveram sobre o teu lado sapeca. Querem guardar esta imagem na memória. Imagens do Naldo dando cambalhotas sem saber! Que risco! Subindo muros sem ter muito equilíbrio! Criatura tu vais cair!! Ai meu Deus! Criando personagens para diferentes cenários! Ousando um gesto mais atrevido no meio das ruas... é... a ousadia é o que se tatua na nossa memória afetiva... a quase ousadia vai perdendo energia ao longo da história.
 
Os amigos escreveram acerca da intensidade que representas, seja na presença visceral dos momentos de protestos, na espontaneidade dos instantes poéticos, na celebração coletiva das festas, que lá em casa serão sempre em tua homenagem, por isso, sempre alegres!!

Tua família também escreveu. Escreveu muito sobre simplicidade, senso de justiça e, também, sobre os teus novos projetos, como o de voltar a viver na tua terra natal... aliás, com a tua partida, fico pensando comigo que a terra natal nem é mesmo aquela em que nascemos...
 
Minha mãe, a dona Judite, que você conheceu, quando na minha adolescência, e na da Ceça também, me pedia para escrever cartas aos parentes, ditava a expressão que utilizei para iniciar esta carta (“Primeiro do que tudo...”) e finalizava dizendo: “Aqui termino, só com a nossa vista”. Acho que expressava o desejo mais profundo de fazer a travessia da escrita para uma presença física, onde fosse possível sentir o outro – mãe, irmãs, filha...- mais pertinho, mais quentinho..

E é assim que eu também termino esta carta.  Agora a expressão da dona Judite soa mais espiritual, mexendo com o mais profundo de minhas crenças.

 
Querido Naldo.
Aqui termino, só com a nossa vista.

Eternamente
Gil...








quarta-feira, 6 de junho de 2012

EIS QUE ELE VIVE

Nesta sua travessia
Repleta de muita alegria
Houve certamente as tristezas
Mas você as driblou com destreza.

Nesta sua travessia
Curta porém tão intensa
Cabe aos amigos chorar
Mas também temos de alegrar

Nesta sua travessia
Pequeno GRANDE amigo
Fico esperando que a qualquer momento
Olha você ai de novo brincando.

Naldo, Naldo, Naldo...
Você está ressuscitado
Pelo tanto que você viveu
Pelos amigos cativos que aqui deixou.

OBRIGADA pela sua TRAVESSIA.

terça-feira, 5 de junho de 2012


SAUDADE
O texto que segue abaixo - DA PAZ - de Marcelino Freire, a quem peço licença para fazer uso de suas palavras, foi apresentado ao Coletivo Cultural Pegando o Gancho pelo amigo Naldo, o qual tivemos a infelicidade de perdê-lo nos últimos dias. Reapresentar esse texto aqui é uma forma de reviver os momentos mágicos de alegria, reflexão, indignação, etc., que tanto eu quanto as pessoas que conviveram com ele certamente puderam experienciar. Penso que o que está nas entrelinhas desse texto em grande medida revela a postura firme, consciente, que Naldo assumia diante da vida, das artimanhas sociais, políticas, econômicas, etc. Ao Naldinho, como costumávamos chamá-lo, nossa homenagem, nossa eterna gratidão!
DA PAZ
Eu não sou da paz.
Não sou mesmo não. Não sou. Paz é coisa de rico. Não visto camiseta nenhuma, não, senhor. Não solto pomba nenhuma, não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça.
Uma desgraça.
Carregar essa rosa. Boba na mão. Nada a ver. Vou não. Não vou fazer essa cara. Chapada. Não vou rezar. Eu é que não vou tomar a praça. Nessa multidão. A paz não resolve nada. A paz marcha. Para onde marcha? A paz fica bonita na televisão. Viu aquele ator?
Se quiser, vá você, diacho. Eu é que não vou. Atirar uma lágrima. A paz é muito organizada. Muito certinha, tadinha. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador. Vou não.
Não vou.
A paz é perda de tempo. E o tanto que eu tenho para fazer hoje. Arroz e feijão. Arroz e feijão. Sem contar a costura. Meu juízo não está bom. A paz me deixa doente. Sabe como é? Sem disposição. Sinto muito. Sinto. A paz não vai estragar o meu domingo.
A paz nunca vem aqui, no pedaço. Reparou? Fica lá. Está vendo? Um bando de gente. Dentro dessa fila demente. A paz é muito chata. A paz é uma bosta. Não fede nem cheira. A paz parece brincadeira. A paz é coisa de criança. Tá uma coisa que eu não gosto: esperança. A paz é muito falsa. A paz é uma senhora. Que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue.
Já disse. Não quero. Não vou a nenhum passeio. A nenhuma passeata. Não saio. Não movo uma palha. Nem morta. Nem que a paz venha aqui bater na minha porta. Eu não abro. Eu não deixo entrar. A paz está proibida. A paz só aparece nessas horas. Em que a guerra é transferida. Viu? Agora é que a cidade se organiza. Para salvar a pele de quem? A minha é que não é. Rezar nesse inferno eu já rezo. Amém. Eu é que não vou acompanhar andor de ninguém. Não vou. Não vou.
Sabe de uma coisa: eles que se lasquem. É. Eles que caminhem. A tarde inteira. Porque eu já cansei. Eu não tenho mais paciência. Não tenho. A paz parece que está rindo de mim. Reparou? Com todos os terços. Com todos os nervos. Dentes estridentes. Reparou? Vou fazer mais o quê, hein?
Hein?
Quem vai ressuscitar meu filho, o Joaquim? Eu é que não vou levar a foto do menino para ficar exibindo lá embaixo. Carregando na avenida a minha ferida. Marchar não vou, ao lado de polícia. Toda vez que vejo a foto do Joaquim, dá um nó. Uma saudade. Sabe? Uma dor na vista. Um cisco no peito. Sem fim. Ai que dor! Dor. Dor. Dor.
A minha vontade é sair gritando. Urrando. Soltando tiro. Juro. Meu Jesus! Matando todo mundo. É. Todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. A paz é que é culpada. Sabe, não sabe?
A paz é que não deixa.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Paz na Terra

Pai nosso que estás no céu,
santificado seja Vosso nome, mas reconheça:
dessa vez o Senhor pisou na bola...
Acaba de chegar no Seu domínio céu, um rapaz iluminado, que se o Senhor tiver um pouquinho de juízo, o convocará para fazer parte de Seu ministério, ocupando a pasta da Boa Vontade.
Por falar em vontade, respeito Pai, a Vossa, mas no caso do Naldo, o Senhor bem que podia ter nos consultado.
Periodicamente o Coletivo faz uma reunião e desde já nos colocamos a Vossa disposição para a discussão de alguma pauta que o Senhor queira incluir.
A poesia nossa de cada dia, hoje está sem graça, cinza, sem vida.
Perdoai esta Vossa filha de número 5.558.225 se Vos parecer prepotente, mas o questionamento é importante quando se está preocupado(a) com o destino de nosso planeta.
Abolir sacolinhas plásticas nos supermercados não é solução.
Escolher as criaturas que podem partir de nosso convívio, sem que nos pareça injustiça de Vossa parte, é decisão sábia.
Sabemos que a morte paradoxalmente é a única certeza da vida, mas no caso do Naldo, eu ainda acho que foi cedo demais.
Bem, outra hora nos falaremos mais demoradamente.
Quanto a você, Naldo, doce amigo,
o seu caixão de defunto foi pequeno, suponho,
para abrigar seus anseios,
para conter tanto sonho.

P.S.: Pai, recomendo a leitura de 1000 coisas para fazer antes de morrer. Eu mesma não fiz nem a metade.