quinta-feira, 29 de setembro de 2011

EU NAO MURRI NO BRAS... PARTE FINAL.


Em 1998, durante nova viagem de ônibus, gozando de novas férias, conseguiu passar 20 dias. Neste período, Severino José do Nascimento já conseguia ajudar, financeiramente, a família e esse sentimento lhe nutria de forças para continuar junto a eles. “ Já podia comprar comida camarada! Dessa vez eu fui com um trocadinho”.

Especial mesmo foi a viagem realizada em 1999 cujo trajeto de três dias se transformou em três horas. Lá se foi o Nordestino de Moreno sentado numa poltrona de avião pela primeira vez em sua vida. “é rapaz! Tá pensando o quê? Tinha dinheiro para bancar, fui de avião! – Abrira um sorriso escancarado, como quem não fala  de si, algo apenas dentro da normalidade e do comum.

Dessa vez passara 30 dias. A vida conduzida pelo corte da cana de açúcar ainda se constituía a paisagem daquela pacata região. Neste aspecto, tudo lhe parecia estático, apesar do movimento do tempo. “Não lembro de ninguém que tenha tomado novo rumo na vida”- afirma o novo homem. Todos os irmãos e amigos da roça já haviam se casado, no entanto, para o migrante Severino José do Nascimento, a vida era a mesma, pois, era o movimento da Cana de Açúcar que determinava todo e qualquer tipo de mudança na vida dos habitantes daquela região.

Entre os anos de 2000 e os 364 dias de 2003 decidiu em não retornar ao nordeste. Com a economia financeira que realizada, pretendia adquirir um carro. Não gastava seu dinheiro com contas domésticas (luz, água, aluguel) pois vivia na Creche e não pagava nada por isso, podendo investir o salário em outros recursos, no entanto, entre estes, constavam na sua lista, “mulé, cigarro e forró”. No que toca a este último, afirmava-se um exímio forrozeiro. “Sou caba da peste, camarada! Adoro um forró. Passava a noite inteirinha num forró virado numa peste! Num tem diversão melhor.

Em 2002, recebeu a visita de sua filha Alessandra que passou 3 meses e não queria mais voltar para Pernambuco, ou melhor, não queria mais voltar para as recordações do corte da cana de açúcar. Mas, finalmente retornou...de avião.

A Sra. Grácia, Diretora da Creche onde trabalhava lhe dera um carro de nome Brasília, que mais tarde veio a trocar por um Voyage, vendendo-o no momento em que a Direção da CROPH resolveu comprar um carro e  entregar em suas mãos para que o cuidasse. “ é minha arma de trabalho. A minha ‘família’ me deu.”

Em 31 de dezembro de 2003, durante período de férias, resolveu regressar ao Nordeste onde pretendia permanecer durante 30 dias...passaram-se 10 dias e Severino José do Nascimento já estava de volta. “Me deu vontade de trabalhar!

Aquele nordestino já estava dominado pelo ritmo frenético do trabalho nesta grande cidade grande, construíra muitas amizades das quais já considerava com muito apreço, respeitando todo mundo. “Faço por donde” - ressalta. Sra. Carlota, Zeneida, Arlete, Moraes, José Roberto e outros profissionais da Organização já faziam parte de sua vida.

Difícil imaginar o que esta nova paisagem representava na vida desse negro nordestino. Em sua memória uma lembrança era permanente e eterna: a da pessoa que lhe estendeu a mão, num outono de 1995... ”Não esqueço do amor, carinho e confiança que Dona Ana Maria e Seu Afonso me deram... de mendigo de rua para funcionário da CROPH. Hoje eu almoço com Dona Ana Maria na mesma mesa. Agora meu filho tá querendo tentar a vida em São Paulo, como eu. Mas ele agora vem para minha casa – diz, enfático e acrescenta – a cana de açúcar que se dane pra lá!

Severino José do Nascimento, o Severino, parecia ter apagado a imagem de um passado sem perspectiva, a cana de açúcar tornar-se doce, diferente do amargo cortante das “torceras” de cana. “quando eu olho pra trás camarada, pro dia que eu cheguei em São Paulo. Meu Deus do céu! Eu não caí nas drogas! Não caí na bebedeira! bati na loto camarada! Venci! No Brás comecei a viver...foi meu início de pontapé!...” – emocionado, Severino José do Nascimento recorda os seus primeiros companheiros da “pedra”: “ Eu nem sei o nome deles! Nunca mais vi nenhum, mas de uma coisa eu tenho certeza camarada!: tô de olhos bem acesos meu fi!

EU NÃO MORRI NO BRÁS!!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

MOTIM

Salve São Cosme e Damião!  Hoje é o dia deles.


Vou pedir licença a Flora Figueiredo para postar uma poesia dela hoje.
Ela "é mais uma voz feminina em nossa poesia.
Apaixonada, irreverente, picante, sedutora e cúmplice.
Ela nos leva pelo mundo das palavras como se fizesse música."
Tenho lido e apreciado suas poesias.

Motim

Estou de saída
e que ninguém me siga.
Quero falar sozinha,
chutar a sombra,
cuspir no prato.
Rasgar a censura,
perverter a seita,
maldizer o gato.
Reduzir a etiqueta a pedacinhos,
desembarcar onde o lugar é descaminho,
esquecer o bicho em extinção.
Sem pedir permissão
quero ficar comigo
e, se for preciso, me ponho de castigo.

Flora Figueiredo

Continuando com ela no youtube:


http://www.youtube.com/watch?v=eYq1ntX6Qow

Belíssimo eu gostei, espero que apreciem.

Cosme, Damião e SansaKroma



No último sábado realizamos mais um sarau do CCPG – Coletivo Cultural Pegando o Gancho, na casa do Marcelo e Junior, espaço aconchegante, de beleza singular, pelas obras de arte, plantas de cheiro, flores, árvores, quintal... O tema foi “O enfeitado” e “O popular, significado dos nomes Cosme e Damião, que fazem parte do sincretismo religioso brasileiro, celebrados nos terreiros de Candomblé e Umbanda, no dia 27 de setembro, “são associados aos ibejis, gêmeos amigos das crianças que teriam a capacidade de agilizar qualquer pedido que lhes fosse feito em troca de doces e guloseimas.” Sendo assim, nas celebrações de Cosme e Damião costuma-se distribuir muitos doces para a criançada. No entanto, é sabido que os espaços religiosos de matrizes africanas não são bem vistos por grande parte da população brasileira, prevalecendo muitas vezes uma postura preconceituosa em relação aos rituais aí praticados, de forma que comer doces oferecidos nessas festividades nem sempre foi algo tão natural. Os doces poderiam estar “enfeitiçados” ou com alguma maldade, assim diziam. Em meio aos relatos, surgiu a lembrança da homenagem de Rita Ribeiro a Cosme e Damião, em seu trabalho Tecnomacumba.


“Bahia é terra de dois
É terra de dois irmãos
Governador da Bahia
É São Cosme e São Damião

Bahia é terra de dois

É terra de dois irmãos

Governador da Bahia
É São Cosme e São Damião

(de Antonio Vieira)

Veja: http://www.youtube.com/watch?v=oKrKNrtMyp4

Pra quem desconhece a Oração, eis aí:

São Cosme e São Damião! Por amor a Deus e ao próximo, consagrastes a vida no cuidado do corpo e alma dos doentes. Abençoai os médicos e farmacêuticos. Alcançai a saúde para o nosso corpo. Fortalecei a nossa vida. Curai o nosso pensamento de toda maldade. A vossa inocência e simplicidade ajudem todas as crianças a terem muita bondade umas com as outras. Fazei que elas conservem sempre a consciência tranqüila. Com a vossa proteção, conservai o meu coração sempre simples e sincero. Fazei que eu lembre com freqüência estas palavras de Jesus: "Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o Reino de Deus".
São Cosme e São Damião, rogai por nós, por todas as crianças, médicos, farmacêuticos e enfermeiros.



O sarau teve também o toque especial dado pela doçura do som da flauta da Aline, que nos presenteou tocando, entre outras músicas, Sansa Kroma. Trata-se uma canção africana que segundo a própria flautista tem a seguinte História: “Durante o Apartheid, muitas crianças perderam seus pais. E dizia-se que SansaKroma, representado por uma ave, tinha a função de proteger e abençoar seus filhos quando corriam perigo.” Era a SansaKroma a quem os pais recorriam nos momentos de aflição, ante a situação de desamparo e perigo das crianças.

http://www.youtube.com/watch?v=nPKFuvUP-9c&feature=related

Quanto ao carinho e acolhimento dos anfitriões pouco precisa se dizer: exemplares. Só resta agradecer!

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

News from where I am

Hoje, um dos nossos colaboradores marcou sua desistência, em relação a continuar escrevendo nesse blog, e, então, eu pensei em fazer uma postagem em que eu assumiria minha desistência também.
Mas não vou fazer isso não! Se o Coletivo quiser, vai ter que me convidar a sair. rsrsrs
A verdade é que eu não poderei mais participar da equipe de coordenação e, assim, terei que voltar ao papel de apenas frequentar os Saraus e, mesmo assim, sem o compromisso de participar da organização de cada um deles ou ainda de me obrigar a participar de todos, como costuma ser o que ocorre com a equipe do Coletivo que está sempre à frente da organização dos Saraus.
Por quê? Porque estou verificando que a vida, por vezes, solicita muito de cada um de nós e, então, precisamos, para dar conta do que verdadeiramente desejamos fazer, estabelecer prioridades em relação aos  nossos compromissos.
Não é novidade para ninguém desse coletivo que eu estou em uma pesquisa bastante profunda da minha escolha de como vivenciar a dimensão propriamente espiritual, entre todas aquelas experiências comuns aos mortais. E, assim sendo, tenho vivido intensamente essa pesquisa também junto a um outro coletivo. Coincidentemente, meus compromissos junto a esse outro coletivo ocorrem nos finais de semana e fico sem poder participar dos dois. :-(
Bem, não sei até que ponto interessará ao Coletivo Pegando o Gancho manter um colaborador do seu blog que não é inteiramente dedicado aos saraus ou eventos que o Coletivo organiza. Mas penso que poderão pôr esse assunto em Pauta em uma próxima reunião. Qualquer decisão aceitarei de bom grado. Eu me disponho a continuar publicando por aqui, porque a atividade de blog me é cara, agradável e poderia ser feita assim a distância, sem eu precisar necessariamente estar em reuniões. A ver.

Reitero que, de qualquer modo, eu estarei sempre que puder frequentando esse Sarau porque amo os amigos que pude fazer por aqui e também esse exercício de ter contato com um coletivo para o cultivo da poesia e do bem querer.

Por fim, vou postar uma canção que eu teria cantado no Sarau de sábado passado, ao qual, infelizmente, não pude comparecer. Trata-se de uma canção de uma cantora holandesa que eu tenho divulgado em todo lugar, no meu blog, no facebook  e, agora, também aqui. É que acho sua mensagem sensual sem ser vulgar e o ritmo dessa canção, com sua forte influência do jazz, muito contagiante. Além disso, o tema em si, o de uma noite inesquecível, lembra-me também aquilo que costuma acontecer nas noites de nossos saraus: elas são inesquecíveis.

Ah, prometo cantá-la no próximo Sarau que eu comparecer! Ok?

A Night Like This - Caro Emerald

From where you are
You see the smoke start to arise
Where they play cards
And you walk over
Softly moving passed the guards
The stakes are getting higher
You can feel it in your heart
He calls you bluff
He is the ace you never thought
He played that much
And now it's more than all this cards
You want to touch
You never know if winning this
Could really be enough

Take a look
Beyond the moon
You see the stars
And when you look around
You know the room by heart

I’ve never dreamed it
Have you ever dreamed a night like this
I cannot believe it
I may never see a night like this
When everything you think is incomplete
Starts happening when you are cheek to cheek
Could you ever dream it
I’ve never dreamed, dreamed a night like this

How many times
Have I been waiting by the door
To hear these chimes
To hear that someone debonaire has just a arrived
And opened up to see
My world before my eyes
That silhouette creates an image
On the night I can't forget
It has the scent of something special
I can't rest
If I resist temptation
Oh, I know for sure that I will lose the bet

I walk away and suddenly it seems
I'm not alone
In front of me he stands
I stop, before he goes

I’ve never dreamed it
Have you ever dreamed a night like this
I cannot believe it
I may never see a night like this
When everything you think is incomplete
Starts happening when you are cheek to cheek
Could you ever dream it
I’ve never dreamed, dreamed a night like this

I’ve never dreamed it
Have you ever dreamed a night like this
I cannot believe it
I may never see a night like this
When everything you think is incomplete
Starts happening when you are cheek to cheek
Could you ever dream it
I’ve never dreamed, dreamed a night like this



Uma Noite Como Essa - Caro Emerald

De onde está
Você vê a fumaça começar a subir
Onde eles jogam baralho
E você vence fácil
Quebrando a resistência suavemente
As apostas vão aumentando
Você sente em seu coração
Ele cobre o seu blefe
Ele é o ás que você nunca imaginou
Ele jogou tudo aquilo
E agora é mais que todas essas cartas
Você quer tocar
Você nunca sabe se vencer essa
Poderia realmente ser bastante

Dê uma olhada
Além da lua
Você vê as estrelas
E quando você olha em torno
Você sabe de cor qual é o quarto

Eu nunca sonhei
Você alguma vez sonhou com uma noite como essa
Não posso acreditar
Provavelmente nunca verei uma noite como essa
Quando tudo que você pensa é incompleto
Começa a acontecer quando você está de rosto colado
Você seria capaz de sonhar / Eu nunca sonhei, sonhei com uma noite como essa
Quantas vezes
Eu fiquei esperando na porta
Para ouvir essa campainha
Pra ouvir que alguém charmoso acabou de chegar
E abri para ver
Meu mundo diante dos meus olhos
Aquela silhueta cria uma imagem
Na noite que eu não posso esquecer
E tem o cheiro de algo especial
Eu não consigo sossegar
Se eu resisto à tentação / Oh, eu sei com certeza que serei eu a perder a aposta

Eu me afasto e de repente parece
Que eu não estou sozinha
Ele para diante de mim
Eu paro, antes que ele se vá

Eu nunca sonhei
Você alguma vez sonhou com uma noite como essa
Não posso acreditar
Provavelmente nunca verei uma noite como essa
Quando tudo que você pensa é incompleto
Começa a acontecer quando você está de rosto colado
Você seria capaz de sonhar
Eu nunca sonhei, sonhei com uma noite como essa

Eu nunca sonhei
Você alguma vez sonhou com uma noite como essa
Não posso acreditar
Provavelmente nunca verei uma noite como essa
Quando tudo que você pensa é incompleto
Começa a acontecer quando você está de rosto colado
Você seria capaz de sonhar
Eu nunca sonhei, sonhei com uma noite como essa

domingo, 25 de setembro de 2011

LABUTA













Inevitável mergulho no atônito vestígio de cruel destino
Parte que somos de partes partidas
Deste elo inexplorado das inconseqüências
Suas frustrações
Seus delírios
Sua fragilidade
Deuses e diabos juntos na amargura de úteros de mães sem seus filhos
Desprovidas de esperança, perturbadas pela insônia de um rebento quase morto.
Somos nós... Ali... Na solidão destes seres
Somos nós... Aqui... Na aspereza dessa dor imensurável de afetos contidos por lágrimas
Que teimam em não descer fronte abaixo e retorcem nossas gargantas sufocadas
Saliva abaixo... Peito abaixo... Cabeça acima
Pesa sobre nossos ombros esta angústia de partida obrigatória
De vontade reprimida
De sonhos de liberdade mal dormidos
Nos dividimos entre veias entorpecidas pelo ocaso da fumaça e do pó
E mesmo estarrecidos pelo medo nos dispomos a ele
Medo do futuro ainda que na infância
Medo do presente ainda que na infância
Medo do passado que compõe tudo numa única sinfonia
Esse é o nosso lastro
Esta é a nossa labuta
Por um estado que proteja, por uma mãe que proteja, por uma família inexistente.
Pesares imensos de infinitas divagações sem respostas.
As lágrimas, entretanto, nos embalam silenciosas...
Sem que percebamos sua fúria, e o poder de sua desventura.
Às vezes desfrutamos das desgraças sem se quer sentir dor alguma na tormenta de nossos pensamentos
Poder do distanciamento da labuta que transforma com frieza essa conivência
Que explora nossos sentidos e sensações num controle desatinado de nossa empreitada
Como subtrair tanta desesperança? Como sanar tantos desmandos?
Como se iludir de soluções mágicas?
Como contemplar um céu de um dia azul sem pensar na morte?
A morte nos espreita...
A dor nos espreita...
O espelho nos espreita...

Chiquinho Silva – 07/04/11