A
Cozinheira: por onde se inicia o banquete?
Se
me disserem que o banquete se inicia na cozinha, com as panelas, fogões,
utensílios, ingredientes e temperos, eu direi que estão errados. O banquete se
inicia com uma decisão de amor.
Babette,
com pena das pessoas mirradas e mesquinhas que a inveja e o ressentimento
tornara insensíveis, na aldeia em que vivia, prepara um banquete que lhes daria
uma experiência inesquecível de prazer, beleza e generosidade.
Tita,
proibida pela mãe de amar o seu amado, prepara os sabores que lhe permitissem
fazer, na mesa, o amor que não podia fazer na cama. O nutricionista, ao
preparar um jantar, se pergunta sobre o equilíbrio científico dos vários componentes
alimentares que irão compor a refeição. Pondera as utilidades: Vitaminas,
carboidratos, proteínas. Cozinha para alimentar quem come. Deseja matar a fome de
quem come. Seu evangelho reza: “Bem-aventurados os que têm fome por que serão
fartos”.
A
cabeça da cozinheira funciona ao contrario. Não considera vitaminas,
carboidratos e proteínas. Sua imaginação está cheia de sabores. Sonha com os
feitos que os sabores irão produzir no corpo de quem come. Não quer matar a fome.
O que ela deseja é fazer amor com quem come, através dos sabores. Quando a fome
está satisfeita, o festival de amor chegou ao fim. “Não quero faca nem queijo. Quero
é a fome””, diz Adélia Prado. Gostaria que o texto evangélico fosse outro: “Bem
aventurados os que tem fome por que eles terão mais fome”. A Cozinheira deseja
que o seu convidado morra de prazer.!
Babette
e Tita se movimentam de maneira simples e eficaz. Sabem qual é o objeto de seu
desejo. E sabem o que devem ser feito para produzi-lo. Essas duas coisas, (1) o
conhecimento do desejo e (2) o conhecimento do que fazer para produzi-lo são o
resumo da sabedoria.
De
Rubem Alves
Variações
sobre o Prazer
Por
Gilson Reis
05.12.13