sábado, 19 de novembro de 2011

Quem ama o feio...

Isa Oliveira

Em um passeio à minha cidade natal, Monte Alto, visitei uma antiga amiga, na casa dos quarenta e vários, como eu. Entre outras coisas, nos pusemos a falar de pessoas que eram tão bonitas na juventude e hoje estão feias. Falamos de nossas próprias rugas e cabelos brancos, dos amigos que engordaram, que ficaram carecas, enfim, que sofreram mais marcadamente a ação inexorável do tempo. De repente o pai dela, que tem mais de 80 anos, até então calado num canto da sala, tomou a palavra e nos surpreendeu dizendo que não existe ninguém feio, que todas as pessoas são bonitas. A veemência com que ele disse isso me pôs a pensar.


De fato, não existe ninguém feio, há formas diferentes, expressões diferentes, mas, cada um tem algo de belo em si. Então me lembrei de um adágio popular que, dependendo de onde se coloca a vírgula, toma dois sentidos diferentes: quem ama o feio, bonito lhe parece. Com a vírgula depois do substantivo feio quer dizer que, para quem ama uma pessoa feia, essa pessoa lhe parece bonita. Já com a vírgula depois do verbo: quem ama, o feio bonito lhe parece tem um sentido bem mais amplo, dizendo que, a quem ama, tudo parece bonito.


Pensei nos bebês e nas crianças, sempre tão lindos aos olhos dos seus pais, nos jovens, sempre tão lindos aos olhos da pessoa amada e nas pessoas maduras, bonitas pela experiência de vida acumulada nas marcas deixadas pelo tempo em seus semblantes.


Além de pensar na beleza, evocando o referido dito popular, me pus a pensar no amor, tão forte, tão capaz de transformar as coisas tidas como as mais feias em coisas belas, interessantes, sublimes. Que possamos amar sempre para sempre ver beleza na vida. Que a beleza não esteja fora, mas, em nossos olhos e, principalmente em nossos corações, afinal, quem ama, o feio bonito lhe parece, sempre.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

20 de novembro de 1999

O dramaturgo Plínio Marcos morreu ontem, as 16 hs. de falência múltipla de órgãos, aos 64 anos de idade.

Sacanagem. Sacanagem da grossa. Porra, Plínio, por que você foi? Seu grande filho da puta. Você não disse que quando ELA passasse no seu acampamento, você não responderia ao chamado DELA, uma vez que nem mesmo você sabia o terceiro nome com que tua mãe te batizou?

Autor das peças "Dois perdidos numa noite suja" (1966) e "Navalha na carne" (1967), entre outras, era um dos maiores dramaturgos brasileiros.

Escreve aí: dramaturgo e analfabeto. O analfabeto mais premiado do Brasil. Escreve mais, o analfabeto que assume que é analfabeto prá deixar as pessoas putas da vida. E completa assim: era um dos mais duros dos dramaturgos brasileiros, um dos mais pré-conceituados, clandestino de trem e marginal, que jamais se rendeu à prostituição intelectual.

A mulher de Marcos, a jornalista Vera Artaxo, disse que o corpo seria velado e cremado com a roupa que ele havia comprado para ir a Paris, no ano passado.

Sacanagem, Vera. O que o pessoal das quebradas vai comentar depois de ler tudo isso?Olha só a do cara! Posa de marginal, de maldito, de amarra cachorro e até terno comprou para ir a Paris. Bem feito! O pirado, o boca suja, o revoltado, dançou. O último tango em Paris. E sem margarina.

O velório começou as 20 hs. de ontem, no teatro Ségio Cardoso, na Bela Vista (região central). Até as 22 hs. cerca de cem pessoas passaram pelo teatro. À tarde, o governador de São Paulo, Mário Covas, esteve no Incor.

Olha quem veio... o velho Rios. O quê??? Fez as pazes com Getúlio Vargas? Sacanagem, velho fudido. Braço Fixo, cadê as gravatas? E aí, Charuto? Ainda continua achando que malandro é a agulha, que leva no rabo e não perde a linha? Cacilda...rainha sagrada...nunca te falei do meu amor, né? Falo agora: te amo prá caralho!!! Covas... aquele lá é o Mário Covas? Sacanagem, agora me conscientizei que passei desta para melhor...

O corpo do dramaturgo deve ser levado às 11 hs. de hoje ao crematório da Vila Alpina, onde acontece uma cerimônia de despedida.

Cigano velho truqueiro de uma porra, me livra dessa bosta de sonho ruim. Quero sair daqui, desse aperto da merda desse paletó que comprei prá ir prá porra daquele lugar. Puta que o pariu... me ajuda a levantar. Quero pegar minha velha sacola de lona e sair por aí, andando pelas ruas do meu velho bairro boêmio, oferecendo meus livros ruins para os homens pregos presentearem suas mulheres mal fodidas. Vou prometer morrer logo prá valorizar a mercadoria. Olha o livro ruim e barato! Olha o livro! Pode olhar sem medo! Ele não morde, só xinga! Olha o livro ruim e barato! Prá dar para os inimigos no Natal...Nunca mais te convidam prá brincar de amigo secreto! Olha o livro ruim e barato. Pode olhar, prá olhar, não paga. É só hoje. Amanhã...

A cremação será amanhã. Segundo Artaxo, suas cinzas devem ser jogadas no mar de Santos(SP), cidade natal do autor.

18 de novembro de 2011

Difícil escrever sobre Plínio Marcos quando você não conheceu cigano que previu que sua vida seria marcada pelas palavras. Nada melhor neste caso, que se utilizar das próprias palavras escritas por ele:

"Presta atenção, gadjo. Quando a sombra da morte for te envolver, deixa que ela te envolva. Não se desespere, não se defenda, não acorde. Deixa ela chegar e te abraçar inteiro. A sombra não mata. Você é imortal. Ela te envolve e não poder fazer nada com você. A sombra é uma sombra e se dissipa. Você ri dela. Caga e anda. E está livre."

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CIENCIA POESIA BELEZA VIDA MORTE...



Como sabem, estou lendo Rubem Alves, e recomendo. Selecionei algumas pérolas do livro As cores do crepúsculo: A estética do envelhecer. Compartilho com meus leitores o que tenho degustado em horas prazerosas. Coma comigo! beba comigo! Devore comigo!

“... a ciência desconfia das palavras. Com razão. Pois o cientista as trata como ferramenta, objeto de uso, ao lado dos martelos e alicates... livrando-se delas sem nehuma dor tão logo deixem de servir aos seus propósitos. Pouco lhe importa que sejam feias ou bonitas; ele nao as ama, nao faz amor com elas, e nem é por ela amado... na poesia é diferente, as palavras não são ferramentas, são amantes. Um poema é a música da orgia amorosa a que se entregam as palavras. Elas fazem amor entre elas...”
“... o outono é o crepusculo do ano. A colheita terminou. Tudo fica frágil, à espera. As árvores começam a se queimar em cores vermelhas e amarelas, um grito de orgasmo, não se sabe direito se de beleza ou de morte. E o tempo se imobiliza na espera do inverno. Sim, imóvel como a folha de outuno, à espera do proximo golpe de vento... A beleza é sempre assim, a coincidência entre eternidade e despedida: Aquilo que o amor deseja que exista eternamente lhe escapa por entre os dedos ...”

“... passada a supresa estética da descoberta da velhice como crepúsculo, dei-me conta de que aquilo que eu vi pela primeira vez era o que eu sempre tinha visto... o crepúsculo morava dentro de mim... isso explicava a incompreensível nostalgia que sempre me acompanhava. O gosto pela solidão. O medo de morrer... a vontade de chorar diante da beleza...”

 

“...há uma velhice em que as coisas amadas vão ficando cada vez mais distantes, perdidas no mar do esquecimento. E há uma outra velhice em que as coisas amadas perdidas voltam, ressuscitadas pela magia da saudade...”

Agora, a mais sublime...

“... Sim, eu quero viver muitos anos mais. Mas não a qualquer preço. Quero viver enquanto estiver acesa, em mim, a capacidade de me comover diante da beleza.”

Rubem Alves.
Fragmentos
17.11.2011
  

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

REFLEXÕES

Pegando o gancho do Laudecir continuarei com a reflexão sobre a semana da consciência negra.

""O preconceito é uma atitude, enquanto a discriminação é uma ação". A discriminação é um jogo aberto, o preconceito é uma atitude discreta, velada. E, no Brasil, é impossível estabelecer os limites entre o preconceito racial e o preconceito social. O elevado status sócio-econômico consegue, entre nós, embranquecer um negro. Mas a extrema pobreza poderá, também, enegrecer um branco.
Um antropólogo americano, estudando o relacionamento racial no Brasil, resumiu as relações entre cor e classe em nosso país nos seguintes termos:
"Um negro é qualquer um dos seguintes:
- Um branco muito pobre
- Um mulato muito pobre
- Um mulato pobre
- um negro muito pobre
- um negro pobre
- um negro medianamente rico

Um branco é qualquer um dos seguintes:
- branco muito rico
- um branco medianamente rico
- um branco pobre
- um mulato muito rico
- um mulato medianamente rico
- um negro muito rico"."

Penso que falar, escrever, refletir sobre a questão negra é muito mais do que podemos tentar imaginar. São vidas, pessoas, um povo. Não é refletir sobre uma questão qualquer, é pensar o outro, o "ser negro".

terça-feira, 15 de novembro de 2011

DISCURSO, ESTEREÓTIPO E EDUCAÇÃO

Na terça-feira da semana passada escrevi neste blog um texto sobre o mês de novembro, mês da consciência negra, sugerindo que esse mês é ocasião oportuna para refletirmos sobre questões relacionadas à negritude, pertinentes a toda sociedade brasileira.

Os trechos do texto que segue foram apresentados como parte da monografia que escrevi no ano passado por ocasião do término do curso de pós-graduação em Magistério do Ensino Superior/PUC, cujo título foi O NEGRO NO ENSINO SUPERIOR: ASPECTOS HISTÓRICOS, ECONÔMICOS, SOCIAIS, PSICOLÓGICOS E CULTURAIS.

... O discurso é quase sempre arma básica de invisibilização. Foi assim utilizado para justificar a dominação e a escravidão no Brasil. As ideias e imagens estereotipadas em relação ao Continente Africano, sua cultura, transmitidas nos livros, na historiografia oficial, na maioria das vezes não correspondem à realidade. “O discurso é também um dispositivo de dominação, é ele que legitima a situação do ‘outro’, o nomeia. Não basta força militar, é preciso que o poder seja legitimado pelo discurso.” (MUNANGA, 2010).

A existência do chamado "escravo" não é razão para aceitar a escravidão. Em qualquer circunstância, a escravidão é uma instituição desumanizante e deve ser condenada. O homem nasce livre até que alguém o escravize. Portanto, o próprio conceito está errado. O correto é "escravizado", não "escravo". Não há uma categoria de escravo natural. Porém, esse conceito já está enraizado na literatura. (MUNANGA, 2010).

Sobre o Ensino Superior, vale destacar que muito recentemente em um artigo publicado na Folha de São Paulo (Tendências/Debates, 17/09/09) o autor José Jorge de Carvalho aborda o tema da invisibilidade do negro no Ensino Superior ao escrever: ‘cotas: uma nova consciência acadêmica’, atentando para o fato da ausência do negro nos espaços acadêmicos, não só como aluno, mas também como mestres. Segundo ele, “a Universidade de Brasília tem 1.400 professores e apenas 14 são negros”. Esse dado faz pensar que antes de serem mestres são alunos, portanto há nesse exemplo uma relação de causa e efeito que o autor leva de maneira contundente a refletir sobre o tema. Atentando ainda para essa mesma relação, ele afirma que essa realidade não é diferente na USP. “Dados recentes indicam que, de 5.434 docentes, os negros não passam de 40. Pelo censo de identificação que fiz em 2005, a porcentagem média de docentes negros no conjunto das seis mais poderosas universidades públicas brasileiras (USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS, UFMG, UnB) é 0,6%.” (CARVALHO, 2009)

A história da educação na sociedade brasileira é marcada por mecanismos excludentes de alguns grupos que a compõe, mantendo dessa forma a lógica histórica de privilégios e oportunidades para grupos específicos, detentoras do poder econômico, social, cultural, etc.; contrariando assim os princípios básicos da Constituição Federal (CF), que preconiza direito e tratamento iguais a todos os cidadãos perante a Lei...

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

BIOGRAFIA

Reinildo de Souza.

Nasci no ABC paulista, na cidade chamada São Caetano do Sul – SP, mas minha primeira infância residi em Santo André, cidade vizinha. Ainda na infância fixei residência na zona leste de SP onde morei até terminar a Faculdade de Psicologia na cidade Mogi das Cruzes - SP. Foram momentos ótimos na minha vida. Ingressei na carreira profissional e inicie um trabalho voluntário com portadores do vírus HIV e doentes de AIDS. Netsa ocasião, tudo aos poucos foi se transformando em minha vida, quando decidi me dirigir para carreira da vida religiosa missionária. Fui para minha primeira missão fixando residência no Acre na cidade de Cruzeiro do Sul, uma experiência inesquecível e de profunda importância para meu crescimento humano e espiritual. Retornei e fui morar na capital mineira de Belo Horizonte onde me tornei noviço e depois regressei para São Paulo para cursar a Faculdade de Teologia e enquanto isso realizei uma pós graduação em Bioética. Deixei a carreira religiosa e retornei a vida civil, retornando também a minha profissão deixada um pouco de lado devida tantas atribuições assumidas na vida religiosa. O trabalho social me convocou e para me reciclar realizei outra pós graduação em Psicopatologia e Saúde Pública, um aprofundamento significativo, pois logo retornei ao trabalho em um ambulatório de infectologia, especificamente com portadores do vírus HIV, trabalho “abandonado” anteriormente e que a vida novamente reclamou o meu retorno. Agora cá estou eu ingressando no trabalho das artes. “Não se pode fugir daquilo que a vida nos impõe, sempre há uma grande dose de crescimento, Permaneça nela enquanto ela te solicitar!”

domingo, 13 de novembro de 2011

IMPÉRIO
































Imagens dos conflitos na USP: intolerância, drogas, polícia, poesia, protesto...


É imperativo deter o pensamento.

Que sua flexão reflita medo e ostente a espada do poder.

Que o consumo reduza nossa vontade à densidade da matéria.

É crucial que a arte se restrinja ao limite mínimo de sua expressão.

Então, que siga alheia, seca, cega.

Que a palavra permaneça irrelevante e não diga a que veio.

Que a criação seja simples devaneio.

Que não toque nas mazelas da lei e da ordem.

Que conspiram para a explosão da ignorância intolerante,

Ocupando, assim, as cátedras, as cortes, os palácios,

Os condomínios e as favelas,

Os quartéis, as escolas e universidades...

O submundo imundo de consumidores entorpecidos

Por sonhos malfadados...

Fadados à perambular como zumbis

Ao largo das autoridades, de ricos,

Remediados, operários, pobres e morimbundos.

Esterilidade deplorável,

Astúcia dominante do saber.

Dominação perene e seu poder.


12/11/2011 – 19:48
Chiquinho Silva