sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Raízes em Ruínas

Escrevo sobre o que vi. E o que vi foi a saga do Coletivo Cultural Pegando o Gancho botando seu bloco na rua e conclamando uma população esmagada pelo peso da não opção das tardes de domingo, a sair atrás da banda.

"Estava a toa na vida,
meu amor me chamou,
prá ver a banda passar..."

E a banda passa, pára e chama e declama. Foi bonita a festa!
Festa de denúncia do estado das terras que se desagregam.
Vou à página 40 de Os Sertões, de Euclydes da Cunha, para descrever o que li:

"Raízes unem-se, intimamente abraçadas, transmudando-se em plantas sociais. Não podendo revidar isoladas, disciplinam-se, congregam-se, arregimentam-se.
Noutros climas isoladas, ali, estreitamente solidárias, em apertada trama, retêm as águas, retêm as terras que se desagregam, e formam, ao cabo, num longo esforço, o solo arável em que nascem, vencendo, o inextricável tecido de radículas enredadas, a sucção insaciável das areias. E vivem. Vivem é o termo, porque há, no fato, um traço superior à passividade da evolução vegetativa..."

No caso de nossa cidade, as radículas enredadas são trilhos de trem que não tem; trilhos de metrô que não vem; ônibus que nos finais de semana escasseiam; milagres que não se cumprem; paz que não cai das alturas e homens que vivem na Terra sem vontade alguma...
Coletivo, eu os vi semear vento na cidade, sair a rua e beber a tempestade!
Oxalá todos que saíram às portas e janelas para ver a banda passar, não tenham voltado passivamente para seus cantos.
Alcem vôos!
Fujam com o circo quando ele passar por sua cidade!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

QUEM É ESSA GENTE ESTRANHA



Imagine você jogada (o) no sofá de sua casa apertada, em plena tarde de domingo, comendo torresmo com suco de pera e assistindo...    ...   ...  sim, o domingão do Faustão. Os pirralhos correndo pra lá e pra cá, entrando e saindo dos cômodos incômodos, gritando em níveis crescentes, subindo e descendo escadas escuras... de fato, “passa um filme na cabeça”, diria o apresentador na tela.

Eis que, misturada à vinheta global e às vozes nada harmoniosas das crianças, vai se aproximando o som melodioso de uma bela flauta, uma intrigante castanhola, um pandeiro e um tamborim. O cortejo, parece, concentra-se ali, na porta da casa. Não era verdade. Pensou a comedora de torresmo. Olhou a TV e nada correspondeu. Estranhou a telespectadora enfadada.

Dormindo não estava. Sonhar acordada não lhe era comum.  Na frente da casa, chegavam os artistas! Ali, sentaram na beira de um batente, onde desfilavam pequenas porções de água corrente. Driblando a leve corrente, tiraram da sacola cinza os pancakes amarelo, azul, preto, vermelo e branco, o lápiz preto que desfilaria sob os olhos, fantasias misturadas às sexuais, tecidos brilhosos e uma caixa surpresa. No cantinho daquela viela, sentamo-nos para abrir alas aos personagens que vinham de dentro da alma.

Sim, era uma viela de famílias simples, crianças de olhares tristes e movimentos alegres! Logo ao entrar naquele recinto, o grupo de artistas (Plástico, Poeta, Atriz e Flautista) foi acolhido por apreciadores de cana que abriram os caminhos para o “trabalho”, oferecendo o sorriso como senha para adentrar ao palco.  Os artistas e seus instrumentos de beleza desceram à viela sob os olhares curiosos de poucos vielistas... mas, tao logo os personagens se impulseram sob o tablado asfaltado, diferentes olhares já se vagalumeavam. Era a troça dos sem-alternativas que desligaram seus controles remotos, deligaram-se em algum lugar do corpo e entraram na roda.

Que Faustão que nada! Já dissera a preguiçosa bebedora de suco artificial de pera. Havia arte em carne e osso ali! Na frente de sua casa. Para os artistas, a vida, ainda que, ali, em seu estado de salubridade ameaçada,  vinha dessa gente! Bebês, crianças, adolescentes, jovens, adultos, meninos, meninas, negros, brancos, anêmicos, não interessava a quantidade, abandonaram sua rotina domingueira para se lançarem no estranhamento vislumbrante dos poetas recitando versos dedicados entre eles, da cumadi de baixo para o cumpadi de cima, do adolescente alegre, que se apossava do megafone, para a suposta namoradinha de rosa, que solicitava permanentemente algum funk que lhe fizesse requebrar! Mas o mancebo alegre insistia em oferecer-lhe poesia... a resistente donzela decidiu funketear, no megafone, uma tal de “delícia, delícia, assim você me mata! Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego...” é...
A experiência apenas começara...

Era mais uma intensa vivência do Coletivo Cultural Pegando o Gancho, agora, em um evento denominado “Multimídia em ruínas”, em uma viela de gente simples, que de tanto lhe oferecerem pão e circo pareciam acreditar que sem a massa e o picadeiro incolor não se libertariam da ruína cultural à qual foi lançada e que tampouco expressaria o vasto sorriso alforriado que a arte, tão belamente, fez aflorar... ou foi a arte aflorada pela liberdade que esteve alí, afoita pra sair gritando!! ?

A caixa surpresa foi entregue ao jovem mancebo em sua alegria contagiante. Alí estavam o livro Perdas e Danos, da Lia Luft, um folder da eleição do Conselho Tutelar, um Estatuto da Criança e do Adolescente e um bombom de chocolate que, seguramente, tão logo visto, foi degustado...

Quanto aos outros presentes...

Cheiro de lágrimas.
Gilson Reis


Na próxima semana, Severino estará de volta...

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Para os aniversariantes de Setembro!

Principalmente para os aniversariantes de hoje.
Ao Mauro que aniversariou ontem.... PARABÉNS!

Diferente do Gilson que quer ser eterno, eu sempre pensei que viver até os 90 está de bom tamanho.


Eu costumo dizer que vou viver até 90 anos...
Engraçado, já estou com 55...
Cansada, hoje então, só quero dormir.
Todos os dias acordo, e agradeço a Deus por estar acordada.
Ultimamente acordo 5h15 para conseguir chegar as 8h no trabalho.
Condução lotada, onde não há lugar para colocar os pés, mas vamos lá.
É preciso.
o trabalho me espera para me dar em troca o pão.
Percurso longo, as conversas mais variadas adentram meus ouvidos.
Às vezes dá vontade de ser cortês como o Josafá e dizer:
"Cala a sua boca"!
E o medo de levar uma porrada na cara!
Ouço simplesmente os discursos mais variados, as verborréias mais inúteis,
Torço para que chegue logo no destino para não ter que tomar atitude.
E assim vai, um dia, mais um dia, mais um dia...
É a vida que tenho.
E QUERO VIVER ATÉ OS NOVENTA ANOS...!!!
Que mistério é esse?
Que gana pela vida é essa?
O que me deixa apaixonada por ela que a quero por tantos anos?
Não sei... só sei que quero viver até os noventa anos...
É uma delícia...
É conflitante...
É engraçada..
É vibrante...
É envolvente...
É loucura...
É vivificante!!!
Sou apaixonada pela vida.
Amo a vida...
Quero viver até os 90 anos... lúcida... apaixonada...

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO






O texto dispensa comentários. Não me lembro quando nem como tomei conhecimento desse poema, de Vinícius de Moraes, mas sei que houve uma identificação imediata com o mesmo. No último domingo, pude apresentá-lo aos participantes do evento Multimídia em Ruínas. 

Vamos ao texto:
E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: — Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu. E Jesus, respondendo, disse-lhe: — Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás (Lucas, cap. IV, versículos 5-8).

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.


De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento


Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construcão.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma subita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.


Ah, homens de pensamento
Nao sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua propria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.


Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele nao cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Excercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.


E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edificio em construção
Que sempre dizia "sim"
Começou a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que nao dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uisque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.


E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução


Como era de se esperar
As bocas da delação
Comecaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
- "Convençam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.


Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu por destinado
Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!


Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Muitas outras seguirão
Porém, por imprescindível
Ao edificio em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.


Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo contrário
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo o que ver
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.


Disse e fitou o operário
Que olhava e refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria
O operário via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!


- Loucura! - gritou o patrão
Nao vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.


E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martirios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construido
O operário em construção
Que você leitor possa ter saboreado cada palavra do poema. Aliás, como diz Maria Bethânia em um poema em que declama: "a poesia é pra comer..."

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

TRANSFORMAR O IMPACTO EM IMPULSO




Domingo, 18 de Setembro de 2011: 
 O CCPG – Coletivo Cultural Pegando o Gancho participa das intervenções do Multimídia em Ruínas na Rua São Bernardo, no bairro do Tatuapé, em São Paulo/SP. Poesia, música, teatro, intervenções num espaço de encontros afetivos, cultura e alegria.

 

A proposta central da arte é a comunicação, reflexão e absorção. E esta intenção motiva este projeto.

O projeto Multimídia em Ruínas implica na realização de diversos eventos e apresentações artístico-culturais por um período de dois finais de semana (18\17 e 24\25 de setembro), em uma antiga casa em ruínas localizada no bairro do Tatuapé, cujo terreno contém, além da casa, um enorme quintal, ambos degradados.

Todo o espaço além de servir de abrigo para as apresentações será transformado através da grafitagem do artista Heitor Yida, responsável pela idealização do mesmo.
 
Durante os eventos, serão gravados um média-metragem de ficção – produzido pela Apé Produções e um curta-metragem documental, que irá abordar e discutir o tema central do projeto: a utilização de espaços alternativos para ocupação pública e a utilização destes locais na criação de peças e obras dos mais diversos segmentos artísticos. A idéia é transformar o impacto em impulso.
 

Ainda em Ruínas

Eu não estive no evento Multimídia em Ruínas, projeto viabilizado pelo programa VAI, do qual esse coletivo participou e com o qual colaborou, no último domingo.
Contudo, sei que se considerarmos apenas as duas imagens belíssimas em sépia, postadas ontem por Francisco, e o clima que também o seu texto sugeriu do que rolou por ali, podemos saber, desde já, que o evento foi um sucesso.

Para que continuemos em torno do tema da Ruína, vou compartilhar por aqui esse poema de Machado de Assis.
Todo mundo diz e sabe que o grande escritor brasileiro era melhor prosador que poeta, mas isso não é motivo para desprezarmos sua obra em versos.

Nesse poema, temos um movimento bem interessante das personagens: uma jovem entra nas ruínas conduzida por um poeta e, ao amanhecer, temos, saindo das mesmas ruínas, apenas o poeta e a sua saudade!
Apesar de um tanto melancólico, acho que é um poema que tem um ar de coisa antiga, sobretudo, pela linguagem um tanto rebuscada de Machado-poeta, mas mesmo isso combina com o tema da Ruína em si, não é mesmo? rsrsrs
Eu também acho que ele combina com o que possivelmente ocorreu nesse evento, em que não estive, e que, apesar disso, sei (pelo tanto que conheço das pessoas que formam esse coletivo) deve ter sido o casamento da ruína com a própria poesia.
Tudo isso certamente é um convite à contemplação da beleza.

Ruínas

Cobrem plantas sem flor crestados muros;
Range a porta anciã; o chão de pedra
Gemer parece aos pés do inquieto vate.
Ruína é tudo: a casa, a escada, o horto,
Sítios caros da infância.
                              Austera moça
Junto ao velho portão o vate aguarda;
          Pendem-lhe as tranças soltas
          Por sobre as roxas vestes.
Risos não tem, e em seu magoado gesto
Transluz não sei que dor oculta aos olhos;
— Dor que à face não vem, — medrosa e casta,
Íntima e funda; — e dos cerrados cílios
                     Se uma discreta muda
Lágrima cai, não murcha a flor do rosto;
Melancolia tácita e serena,
Que os ecos não acorda em seus queixumes,
Respira aquele rosto. A mão lhe estende
O abatido poeta. Ei-los percorrem
Com tardo passo os relembrados sítios,
Ermos depois que a mão da fria morte
Tantas almas colhera. Desmaiavam,
                     Nos serros do poente,
                     As rosas do crepúsculo.
“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge
No teu lânguido olhar um raio deixa;
— Raio quebrado e frio; — o vento agita
Tímido e frouxo as tuas longas tranças.
Conhecem-te estas pedras; das ruínas
Alma errante pareces condenada
A contemplar teus insepultos ossos.
Conhecem-te estas árvores. E eu mesmo
Sinto não sei que vaga e amortecida
                     Lembrança de teu rosto.”

                     Desceu de todo a noite,
Pelo espaço arrastando o manto escuro
Que a loura Vésper nos seus ombros castos,
Como um diamante, prende. Longas horas
Silenciosas correram. No outro dia,
Quando as vermelhas rosas do oriente
Ao já próximo sol a estrada ornavam
Das ruínas saíam lentamente
                     Duas pálidas sombras:
                     O poeta e a saudade.

Machado de Assis, in 'Falenas'

domingo, 18 de setembro de 2011

RUÍNAS



Num tempo, avistava-se dali uma pradaria.

Ao longe espaços vazios,
No entanto, intensos em sua liberdade e em cores sutis.
Os olhos guiavam-se pelas linhas que desenhavam aquele sitio.
A sinuosidade de suas curvas,
O verde que se erguia entre as alamedas recortadas.
Uma cerca acolá.
Um muro ali.
Casas.
Algumas...
Era assim.

A casa erguera-se sólida.
Cravada no barranco, mergulhava morro abaixo,
Esculpida à força.
Músculo a músculo.
Pá a pá.
Tudo compunha uma estética mutável e nova.
Algo que coubesse aquela idéia, aquela escultura.
Mistura obssecada de uma matemática nivelada pela matéria bruta.
Pedra a pedra, tijolo a tijolo.
Reboco embrutecido.
Perfil da ousadia arquitetônica de um sonho de vivenda.
Rua. Escadas.
Portas. Janelas.
Entranças delicadas.
Jardim florido.
Azulejos e pisos que desenhavam uma idéia.
O teto. O telhado acolhedor do tempo e de suas mazelas.
Pavimentos conquistados palmo a palmo.
Beleza projetada.
Foi assim.


  
O resto...
O jardim murchou.
As portas se fecharam entreabertas.
A escada feneceu torta, com seus degraus desgastados.
Ruíram-se suas retas.
Janelas aos pedaços.
Vidros acinzentados.
Destroços de um passado glorioso.
Falência da estética concebida.
Azulejos e pisos em formas antiquadas.
Estrutura decadente de construção torneada.
Dejetos e vestígios de uma saudade.
Pavimentos rejeitados palmo a palmo.
Beleza despojada.
Ruína inconcebível.
Degradação intolerada.
É assim.

17/09/2011 – 01:35
Chiquinho Silva