Banquete
é sinônimo de partilha. Tal idéia sinaliza o desejo de estar junto. Mas um
estar que se alimenta do alimento de cada um. Dos temperos que gostamos, das
receitas que apreciamos, doces ou salgadas, e até sem doce e sem sal. No
entanto, banquete não é só de alimento, mas de vontades! Intenções! Sonhos! Banquete de corpos e mentes em desejo! É todo
o contrário de tudo isso! Ou seja, banquete não é só de sabores, mas também de
dissabores. Cada um ou cada grupo faz a sua opção. Optamos pelos sabores.
Vamos ao
banquete? Mas um banquete onde eu e você possamos viver um processo orgástico! A
proposta é banquetear a partir do que apreciamos e isso se dá numa dinâmica de
desprendimento. É importante o fazer prazeroso daquilo que sabemos, mas com uma
pitada de surpresa oferecida pelo outro, pois este banquete não será realizado
com a receita pronta, mas por fazer. Não chegaremos à mesa dos prazeres com a
receita em seu estado final. A faremos. O que chegará ao salão de celebração e
de prazer será o resultado de segredos pessoais misturados, diversidades que
decidirão pela orgia de desejos, medidas, temperos... sentimentos.
Rubem
Alves, em seu livro Variações sobre o Prazer, deliciosamente me presenteado
pela minha amiga Deise, acerca do ato de sentir, cita o Filósofo Charles
Sanders Peirce que afirma o seguinte: “Nossa
idéia de qualquer coisa é nossa idéia dos seus efeitos sensíveis. (Assim)
considere quais efeitos que possivelmente possam ter conseqüências práticas,
que nós imaginamos que o objeto em questão tenha. Então, nossa concepção desses
efeitos é a totalidade da nossa concepção do objeto”.
Nesta
perspectiva, Rubem Alves defende que as cozinheiras trabalham com efeitos
sensíveis: O prazer tem de ser gostoso; o prato tem de ser cheiroso; o prato
tem de ser bonito; o prato tem de ser excitante ao tato – por isso a pimenta, o
cuidado para que não fique nem mole nem duro demais -. Quando uma cozinheira
pensa-cozinha ela leva em consideração a totalidade dos efeitos práticos que o
prato que ela está preparando irá ter sobre aquele que vai degustá-lo. E
finaliza dizendo que todos os sentidos, sob a primazia da boca, se juntam para
produzir o prato imaginado.
Vale
aqui citar o verso de um Poema de Mario Quintana que diz:
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em
tua boca
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu lhe saibas o
misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto
Assim
diria Babette e Tita, cozinheiras revolucionárias de dois belos filmes. A
primeira do “A Festa de Babette” e a segunda do “Como água para Chocolate”. O
que há em comum e impactante nas duas nobres cozinheiras é exatamente a sua
percepção culinária pautada na revolução dos sentimentos, o que,
conseqüentemente, gesta no ventre dos degustarores, novos desejos, vontade de
mudança, auto critica, novos sentidos e significados, novos encontros, com
novos toques, proximidade, olhares afetuosos e libidinosos, uma verdade que se
escondia por trás do “encouraçamento” familiar, social...
Babette
promove o olhar afetivo de velhos amigos que, tradicionalmente, se encontravam,
sob uma ótica da razão, do pensar cristalizado. Velhos endurecidos cuja inveja os
tornarão amargos e ácidos. A Codorna ao molho de pétalas de rosa que preparara
incutiu no grupo um novo sabor no ato de estar junto. Tita “enlouqueceu” os
convidados do banquete com sua receita afrodisíaca, levando os mais comedidos a
cometerem atos de libidinagem desejados e antes reprimidos. Juntas,
transformaram a experiência do disfarce e do endurecimento, em uma vivência do
paraíso.
Eu gosto
de gerar novos sabores, alimentar convidados ao banquete com a mais nobre
receita que tenho! Deliciar-me na receita do outro, misturar sabores! Que tal
banquetearmos qualquer dia desses? Pode ser em minha casa ou na sua. Fazermos
uma experiência de estrado de graça, desatadora de amarras sexuais! Como comer manga
se lambuzando! ...assim! Livre.
Viva Babette
e Tita
Gilson
Reis
28.11.13