quinta-feira, 6 de junho de 2013

PAULO FREIRE E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS – PARTE III













A perspectiva da formação de uma autocrítica, portanto da auto consciência da condição de oprimidos, se estende a toda família do adolescente, pois ela toda também participa da medida, tendo em vista que o adolescente é parte de um corpo, todo prejudicado, uma totalidade fragmentada pela condição subumana a que foram submetidos e da qual rejeitam, expressando tal rejeição por meio de diversos comportamentos, inclusive, no ato infracional.

A metodologia socioeducativa no trabalho com adolescentes em conflito com a Lei compreende uma intervenção do Educador na realidade em que o adolescente e ele mesmo situam-se; esse elo de participação num mesmo contexto, problematizado através da condição dialógica estabelecida, os fazem cúmplices e empreendedores de uma nova situação existencial. No desenvolvimento dessa nova paisagem, o adolescente tem que ser sentido como ser humano histórico, um ser inacabado, dentro de uma realidade inacabada.
Na construção desse ser inacabado que somos, buscamos a inserção nas esferas de sociabilidade e é por isso que o Educador, frente à incompletude do adolescente, vislumbra a participação deste no contexto social, de forma ativa e empreendedora, através da conscientização do adolescente como protagonista da dinâmica estudantil e não puramente como um ser matriculado e responsável pela comprovação da matricula, através de uma simples declaração escolar; também vislumbra a participação desse adolescente investindo teórica e praticamente, nas potencialidades profissionais que possuem e na co-responsabilidade entre Educador – família – adolescente e Poderes Públicos em sua atuação no mercado de trabalho; vislumbra também, e com considerável preocupação, a melhor interação entre o adolescente e seus parentes, pois a participação familiar é imprescindível nesse processo de humanização e, frente à constatação da condição desumanizada da própria família, o trabalho do Educador transcende a pura Burocracia e, inclusive, os limites temporais, e é nessa transcendência que habita a essência da Técnica apaixonada.

Investindo nessas esferas, o Educador aproxima o adolescente de si mesmo, tendo em vista a necessária interação das partes, como opositores de uma sociedade excludente.
 
A Pedagogia do Oprimido é posta em ação na medida em que o adolescente vive a experiência paulatina de aquisição da consciência de sua incompletude, processo este, em que ele vai assimilando sua condição de historicidade e desvelando a realidade de opressão que o faz oprimido e desumanizado. Ainda que pareça paradoxal, mas é na consciência da opressão que o adolescente começa a viver a incipiente trajetória da libertação.

Há beleza em afirmar que nesse caminho para a libertação, o Educador Social se apresenta como uma ponte que, na sua condição de ponte, aprende do e no próprio caminho por onde permite passagem e por onde se permite passar. Vive-se, nesse momento, a experiência da comunhão e Paulo Freire retrata esse instante afirmando “que ninguém liberta ninguém; ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”.                  


                                                     Reside, nessa expressão absolutamente interativa, uma clara consciência de que, no processo de acompanhamento da execução da medida socioeducativa  o Educador também aprende do ser humano que é o adolescente e a partir dele se liberta, e nesse vinculo, ambos se humanizam progressivamente.

Gilson Reis
05.06.13


terça-feira, 4 de junho de 2013

AO MEU AMIGO, SPEL.

Com carinho,

Dedico Poema Negro ao meu amigo Spel. Hoje, ao lê-lo atenciosamente, fiquei tempo pensando nesse meu amigo. A Companhia de Spel é sempre um prazer, um aprendizado, um divertimento... Aqueles que lerem esse poema não se assustem nem me condenem pelo fato de dedicá-lo ao meu amigo. O texto é fúnebre. O fato é que ele adora esse texto. Spel gosta de textos assim, especialmente. Ele se delicia! E quando os recita deixa os expectadores perplexos pela visceralidade da interpretação e a riqueza do texto.





Poema negro

Para iludir minha desgraça, estudo. 
Intimamente sei que não me iludo. 
Para onde vou (o mundo inteiro o nota) 
Nos meus olhares fúnebres, carrego 
A indiferença estúpida de um cego 
E o ar indolente de um chinês idiota! 


A passagem dos séculos me assombra. 
Para onde irá correndo minha sombra 
Nesse cavalo de eletricidade?! 
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem: 
— Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem? 
E parece-me um sonho a realidade. 


Em vão com o grito do meu peito impreco! 
Dos brados meus ouvindo apenas o eco, 
Eu torço os braços numa angústia douda 
E muita vez, à meia-noite, rio 
Sinistramente, vendo o verme frio 
Que há de comer a minha carne toda! 


É a Morte — esta carnívora assanhada — 
Serpente má de língua envenenada 
Que tudo que acha no caminho, come... 
— Faminta e atra mulher que, a 1 de janeiro, 
Sai para assassinar o mundo inteiro, 
E o mundo inteiro não lhe mata a fome! 


Nesta sombria análise das cousas, 
Corro. Arranco os cadáveres das lousas 
E as suas partes podres examino. . . 
Mas de repente, ouvindo um grande estrondo, 
Na podridão daquele embrulho hediondo 
Reconheço assombrado o meu Destino! 


Surpreendo-me, sozinho, numa cova. 
Então meu desvario se renova... 
Como que, abrindo todos os jazigos, 
A Morte, em trajos pretos e amarelos, 
Levanta contra mim grandes cutelos 
E as baionetas dos dragões antigos! 


E quando vi que aquilo vinha vindo 
Eu fui caindo como um sol caindo 
De declínio em declínio; e de declínio 
Em declínio, com a gula de uma fera, 
Quis ver o que era, e quando vi o que era, 
Vi que era pó, vi que era esterquilínio! 


Chegou a tua vez, oh! Natureza! 
Eu desafio agora essa grandeza, 
Perante a qual meus olhos se extasiam... 
Eu desafio, desta cova escura, 
No histerismo danado da tortura 
Todos os monstros que os teus peitos criam. 


Tu não és minha mãe, velha nefasta! 
Com o teu chicote frio de madrasta 
Tu me açoitaste vinte e duas vezes... 
Por tua causa apodreci nas cruzes, 
Em que pregas os filhos que produzes 
Durante os desgraçados nove meses! 


Semeadora terrível de defuntos, 
Contra a agressão dos teus contrastes juntos 
A besta, que em mim dorme, acorda em berros 
Acorda, e após gritar a última injúria, 
Chocalha os dentes com medonha fúria 
Como se fosse o atrito de dois ferros! 


Pois bem! Chegou minha hora de vingança. 
Tu mataste o meu tempo de criança 
E de segunda-feira até domingo, 
Amarrado no horror de tua rede, 
Deste-me fogo quando eu tinha sede... 
Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo! 
 

Súbito outra visão negra me espanta! 
Estou em Roma. É Sexta-feira Santa. 
A treva invade o obscuro orbe terrestre. 
No Vaticano, em grupos prosternados, 
Com as longas fardas rubras, os soldados 
Guardam o corpo do Divino Mestre. 


Como as estalactites da caverna, 
Cai no silêncio da Cidade Eterna 
A água da chuva em largos fios grossos... 
De Jesus Cristo resta unicamente 
Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente 
Sente vontade de abraçar-lhe os ossos! 


Não há ninguém na estrada da Ripetta. 
Dentro da Igreja de São Pedro, quieta, 
As luzes funerais arquejam fracas... 
O vento entoa cânticos de morte. 
Roma estremece! Além, num rumor forte, 
Recomeça o barulho das matracas. 


A desagregação da minha ideia 
Aumenta. Como as chagas da morféa 
O medo, o desalento e o desconforto 
Paralisam-se os círculos motores. 
Na Eternidade, os ventos gemedores 
Estão dizendo que Jesus é morto! 


Não! Jesus não morreu! Vive na serra 
Da Borborema, no ar de minha terra, 
Na molécula e no átomo... Resume 
A espiritualidade da matéria 
E ele é que embala o corpo da miséria 
E faz da cloaca uma urna de perfume. 


Na agonia de tantos pesadelos 
Uma dor bruta puxa-me os cabelos, 
Desperto. É tão vazia a minha vida! 
No pensamento desconexo e falho 
Trago as cartas confusas de um baralho 
E um pedaço de cera derretida! 


Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme. 
Eu, somente eu, com a minha dor enorme 
Os olhos ensanguento na vigília! 
E observo, enquanto o horror me corta a fala, 
O aspecto sepulcral da austera sala 
E a impassibilidade da mobília. 


Meu coração, como um cristal, se quebre 
O termômetro negue minha febre, 
Torne-se gelo o sangue que me abrasa, 
E eu me converta na cegonha triste 
Que das ruínas duma casa assiste 
Ao desmoronamento de outra casa! 


Ao terminar este sentido poema 
Onde vazei a minha dor suprema 
Tenho os olhos em lágrimas imersos... 
Rola-me na cabeça o cérebro oco. 
Por ventura, meu Deus, estarei louco?! 
Daqui por diante não farei mais versos.



Augusto dos Anjos

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Festa Popular

No mês de junho e Julho comemora-se a festa de três dos mais populares santos do Brasil, Santo Antônio, São João e São Pedro. Para ficar completo falta apenas São Benedito e Padre Cícero Romão Batista, do Juazeiro. Há que se perguntar por que estes santos da Igreja Católica têm tantos devotos entre nós? Qual é a mensagem que suas ações em vida deixaram? E por que são celebrados com festas? Qual é a importância das festas para o povo? Respondendo de modo objetivo, estes santos foram pessoas muito próximas do povo; sempre buscaram a promoção social, seja, realizando casamento daqueles que se amavam, mas não podiam pagar pela cerimônia, no caso de Santo Antônio, distribuindo pães, como fazia São Benedito; ou ajudando com conselhos os mais pobres, mostrando como poderiam sair da situação de pobreza, como fez Padre Cícero. Quanto a São João, sua humildade diante de Jesus o consagrou como o aquele que anunciou o evangelho mesmo antes da sua existência; São Pedro, homem do povo, pescador deu continuidade ao projeto de Deus iniciado por Cristo, sem perder a humildade. Mas, e por que a festa? É importante dizer que a manifestação religiosa mais rica de significados e de espiritualidade, é aquela, que vivencia a religião de forma intensa, com todo seu ser; aquela que vivencia um Deus pai–mãe de todos, que não olha cor nem posição social, mas aceita as ofertas daquele que usa a oração e o coração como parte dela. Isso era, e ainda é muito comum nas festas das (os) padroeiras (os) das igrejas do nosso país. Além disso, a realização de festas é comum em todas as culturas. As festas permitiam o encontro, a visibilidade, a coesão, dando a identidade desejada, trazendo o descanso, os prazeres e a alegria e introjetando valores e normas da vida em grupo, partilhando sentimentos coletivos e conhecimentos comunitários. A festa tem sempre o papel de ser um meio através do qual a população, sobretudo a das camadas populares, extravasa suas frustrações, seus medos e anseios, suas inquietações e protestos contra o sistema em que estão inseridos. Mas é também ali que se agradece os benefícios recebidos dos acordos feitos com o divino. Estes acordos podem ter como principais mediadores São Jorge, São Benedito, Santa Edwiges, Santa Ifigênia, Nossa Senhora com as mais variadas denominações, e nos mês de junho e julho Santo Antônio, São João e São Pedro, visto que para homenageá-los o povo vai para a rua cantar, dançar e agradecer, celebrar a vida com festa e comida, com o corpo e o coração os benefícios que recebem diariamente destes que foram consagrados santos pela fé popular.