sábado, 16 de julho de 2011

A Minha Saudade Tem o Mar Aprisionado

A minha saudade tem o mar aprisionado
na sua teia de datas e lugares.
É uma matéria vibrátil e nostálgica
que não consigo tocar sem receio,
porque queima os dedos,
porque fere os lábios,
porque dilacera os olhos.
E não me venham dizer que é inocente,
passiva e benigna porque não posso acreditar.
A minha saudade tem mulheres
agarradas ao pescoço dos que partem,
crianças a brincarem nos passeios,
amantes ocultando-se nas sebes,
soldados execrando guerras.
Pode ser uma casa ou uma rede
das que não prendem pássaros nem peixes,
das que têm malhas largas
para deixar passar o vento e a pressa
das ondas no corpo da areia.
Seria hipócrita se dissesse
que esta saudade não me vem à boca
com o sabor a fogo das coisas incumpridas.
Imagino-a distante e extinta, e contudo
cresce em mim como um distúrbio da paixão.

José Jorge Letria, in "A Metade Iluminada e Outros Poemas"

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Cidade de contrastes, sem trastes

Queridos amigos, enganchados conhecidos e desconhecidos,
conforme prometido em minha postagem anterior, transcrevo poema sobre São Paulo, poema este que nasceu do incentivo de Mário Chamie, que tive o prazer de ter como professor, em 1987.
CIDADE DE CONTRASTES, SEM TRASTES
Meu amor por São Paulo é brincalhão, como a própria cidade.
Ela é de 25 de janeiro, 25 de março, 7 de abril, 23 de maio, 9 de julho, 7 de setembro, 15 de novembro.
Minha cidade é de Aquário.
E muitas águas.
Água Fria, Água Funda, Água Branca, Água Rasa.
Para desembocar tem o Tietê do Agreste,
e o A-nhan-ga-Baú da Felicidade.
Minha cidade é do Perus!!!
E de Pirituba, do Jaraguá, do Jaguaré.
Contém o feitiço de todas as vilas:
Maria, Mariana, Madalena, Clarice,Guilherme.
Tem nomes esquisitos: Sapopemba. Pimba!!!
Itaquara, Jabaquera, perdão, Itaquera, Jabaquara.
Terra de todos os santos.
Santana, São Paulo!
Minha cidade é uma zona.
Zona Norte, Zona Sul, Zona Leste, Zona Oeste.
Cruz bendita de integração
que culmina na Sé.
É só.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

REFLEXÃO SOBRE O QUE EU NAO SEI...

Querida Luiza!
Que bela reflexão nos proporcionou nesta quarta feira. Me inspirou postar este texto poético que talvez alguns amigos já conheçam, mas é propício para este clima poetico-filosófico: 

Hoje é mais um dia dos dias em que eu não sei do que nao vivi. E este mistério é sagrado! Não ousemos desvendar, pois o nao vivido é o que nos sobra pra guardar e desvelar na manhã! Caixinha de surpresas onde cabem o que ainda não ousamos ser, por que tudo é absoluto. Prefiro o não-tudo que se descobre no passar dos raios.

Eu sei do que vivi ou do que ousei tornar existência, mas o que há na caverna pode ser mais sublime do que a paisagem que os olhos já não se surpreendem, pois a novidade do já, tão logo se cristaliza. Ai vem a sede que não se sacia! a saudade que nao se mata! esse desejo assassino que almeja abortar o nada cheio de fertilidade quando mãos semeantes lançam sementes em receptivas terras.

Prefiro o daqui a pouco com o gozo intenso do agora! Essa sensação dos dedos que aponta para uma próxima página...

Exijo minha ignorância. E já!

Eu quero ser esse antes que agora é, e que daqui a pouco vai ser um “é” longe desse “é” que já se degustou saciante. Quizás um “é” assim: É!

Eu me quero amanhã... deslizante... bailarino... como um não sei o que serei na despedida da lua. Eu me quero amanhã como uma surpresa que se sabe vida ignorante de si mesma!

Quem me dera apreender da água essa liberdade de mergulhar do alto vivendo-se vida deslizante que beija o rio manso... Mãe água que lava a face do tempo que se despede sempre e fatigado de si mesmo...

E eu, que por horas a fio, planejei escrever sobre aquele menino pobre e bailarino que me emociona com o abuso de seus movimentos plásticos e ainda inocentes... cá estou a me debruçar sobre o que nao sei...

Hei! Menino bailarino! pequeno revolucionário dos desejos masculinos infantis... deixe-me aprender contigo o que nao sei... na tua dança ainda em gestação ensina-nos a apurar a preciosidade da caverna para sabermos voar!!! E voar na direção da luz, porem, sem nunca sermos todo iluminado!

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Era uma vez um cachorrinho que achou uma criancinha...

Desde que ouvi pelos meios de comunicação a notícia de que um cachorrinho que passeava com sua dona achou num saquinho de supermercado que estava na calçada uma menina rescém-nascida, estou refletindo sobre os paradoxos que enfrentamos no dia a dia.
O normal não seria o contrário? Não seria a menina que deveria achar o cachorro?
Assim como um dia minha sobrinha achou uma cachorrinha rescém-nascida, tão minúscula, tão indefesa que a levou para casa dedicando-lhe todo cuidado necessário para sua sobrevivência!
Ao ler a postagem do Laudecir nesta terça feira lembrei de minhas reflexões "paradoxais" como também de um texto que li e vou incluí-lo na minha postagem deste dia como sugestão de reflexão, diante dos meus questionamentos reflexivos e também do que o Lau questionou.

Realista ou Idealista?
Isso me leva a pensar nos contrários, nos opostos, nos paradoxos.

O que é real?
Lulu Santos vem nos intrigar afirmando que:
"Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia
tudo passa tudo sempre passará.
A vida vem em ondas como o mar
num indo e vindo num segundo.
Tudo que se ve não é
igual ao que a gente viu há um segundo
tudo muda o tempo todo no mundo".

Então o que é real?
Mônica Aiub, filósofa clínica, baseada nos pensamentos de Heráclito, pensador solitário, (504-501 a.C.) afirma que "quando queremos fixar as coisas e definir o que são, elas já não consistem no que eram um momento antes".
E continua... "Você conseguiria compreender e conviver com pessoas que pensam exatamente o oposto do que você pensa, que vivem exatamente o contrário do que você vive?
...E se essas pessoas lhe dissessem que você precisa mudar, ser como elas são, viver como vivem, o que você faria?
...Acompanhar as tensões, o movimento das transformações, é a forma de compreender a unidade, de conhecer.
...O logos é a unidade profunda que as oposições aparentes ocultam e sugerem: os contrários, em todos os níveis da realidade, constituem a unidade nas transformações.
...tudo muda, nada permanece o mesmo. Somos e não somos, e isso não é um problema, é apenas a nossa natureza.
Se tudo se move, se transforma o tempo inteiro. Se não nos banhamos duas vezes no mesmo rio, pois as águas não são as mesmas, nós não somos os mesmos, se não é possível tocar duas vezes o mesmo ser, como é possível conhecer?
Não podemos dizer que as coisas são, porque no momento seguinte elas podem não ser mais o que eram. Não podemos dizer que não são, porque podem se tornar: tudo está em constante fluir, em eterno vir-a-ser, devir. Contudo, "é possível a todos os homens conhecer-se a si mesmo e ser sábios" (fr 116). No olhar heraclítico, esse conhecimento exige que acompanhemos o movimento da vida, que nos percebamos como sendo e não sendo, que nos permitamos questionar o estabelecido, construir novos modos de ser, que busquemos a harmonia dos opostos, como "o arco e a lira." (Filosofia Ciência & Vida, pág. 52 a 57).
Sendo assim eu digo: sou uma mistura continuada de real e de ideal, porque logo que me percebo real numa fração de segundo estou sonhando com o ideal.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Realista ou Idealista?

Você me acha muito realista? Essa foi a pergunta que meu amigo, Gilson, fez quando terminarmos de assistir ao filme 'A falta que nos move', de estréia da diretora teatral Christiane Jatahy.

Trata-se de grupo de atores que se reúnem para uma “ceia de antevéspera de Natal, onde esperam um sexto convidado, que jamais chega. Entre conversas, danças e agressões verbais, eles desnudam as entrelinhas nas quais um xingamento às vezes é meio de dizer ‘Tô precisando de um abraço’”. A pergunta de meu amigo fora suscitada pela postura dos personagens no decorrer da trama do filme.

A conversa prolongou. Analisamos nossas atitudes diante da vida, dos acontecimentos diariamente presenciados na sociedade - de ordem econômica, política, religiosa, etc., fizemos questionamentos a respeito do papel da mídia enquanto veículo que influencia a maneira de enxergarmos e de nos posicionarmos no mundo.

O intrigante é que de um lado as pessoas que se auto-intitulam ou são intituladas realistas, em grande parte, são confundidas e/ou comparadas com pessoas que tem uma visão pessimista do mundo, o que parece ser um tanto constrangedor e, portanto, dessa forma, é vantajoso ser intitulado idealista, é mais aceitável socialmente falando.

Fica então aqui a sugestão para que assistam ao filme ‘A falta que nos move’, e independentemente dele lanço a pergunta: como você se posiciona diante da vida? Dos acontecimentos? Com que olhar? Realista? Idealista?...

http://www.youtube.com/watch?v=TXCEm6TUGZU

Miniatura


segunda-feira, 11 de julho de 2011

Dez motivos para querermos ver o filme Meia-noite em Paris de Woody Allen


 1. Nesse filme é possível entender Paris como a sala de visitas da humanidade. Ela não é apenas bela naquilo que lhe garante ser um cartão-postal. Ela é uma pintura viva, onde a vida pulsa e, muito especialmente, pelo menos desde o final do XIX (Belle Époque).
 2. O filme é também uma história de amor. É tão romântico como costumam ser os filmes americanos que se passam em Paris, ao menos a partir de uma tradição que ocorre desde musicais como Sinfonia em Paris, de Vincente Minnelli. No entanto, esse é mais denso e, em resumo, nos ensina que não devemos nos enganar no amor, por exemplo, você não deve se casar devido às circunstâncias fortuitas (como dinheiro, estabilidade, hábito etc.)
  3. É uma homenagem sincera a todos os grandes gênios no mundo das artes que circularam pela Paris da década de 20 do século passado (e que gravitavam em torno da figura de Gertrude Stein). Homenagem a essa época de ouro e àquela que a precedeu, ou seja, também à Belle Époque. Isso tudo na mesma cidade, que nos legou seus grandes artistas. Apesar de tais homenagens, fica-nos, contudo, a sábia lição: É ilusão querer viver da nostalgia de um passado de glória, em qualquer circunstância e lugar.
4. O personagem central é um homem doce e sincero. Possui as qualidades necessárias a todo homem de bem. É também um idealista. E nosso cinema contemporâneo carece de personagens assim, que ainda conseguem nos alertar para a beleza e o amor! Owen Wilson, nesse papel, lembrou-me o que Caetano dizia de Giulietta Masina como Cabíria: “aquela cara é o coração de Jesus”.

5. A personagem feminina e que encarna a protagonista da história, a mocinha do casal romântico, é também doce, mas daquela doçura que encanta nas mulheres: etérea e vaporosa. Aliás, Marion Cotillard é perfeita para o papel.
6. O diretor do filme, Woody Allen, demonstra que está envelhecendo bem, o que vale dizer está atingindo um altíssimo grau de sabedoria. Suas últimas produções, aliás, espelham exatamente esse apogeu e esplendor.
7. A trilha sonora do filme resgata a época que o protagonista revisita em seus passeios noturnos por Paris. Cole Porter é a estrela sonora do filme. Nesse sentido, o filme resgata algo que Allen já fizera no filme A Era do Rádio: a qualidade da pesquisa.
8. As cenas em que aparecem os personagens do escritor Ernest Hemingway e do pintor Salvador Dalí são mesmo impagáveis. Os atores encarnam as ilustres figuras sem necessidade de recorrer aos estereótipos e, assim, eles parecem ser gente como a gente, mesmo com suas excentricidades.
9. Ver Toulouse Lautrec no Moulin Rouge também é um momento absolutamente encantador.
    10. O filme tem uma mistura muito equilibrada de Bom Humor e Melancolia, e é assim que ele nos convida a entender que a vida é compreender que quem sai na chuva é para se molhar! Isso pode ser tomado tão somente como o exercício muito natural de quem vive mergulhado naquilo que os franceses chamam de joie de vivre. E, voilá, quando isso acontece em Paris, então, isso pode ser mesmo uma Festa!

Observação: Essa postagem foi publicada originalmente no meu blog pessoal ontem e, agora, também aqui! É que acho que vale a pena divulgar essa obra-prima em todos os canais. 

domingo, 10 de julho de 2011

UNÇÃO

Que me venha o movimento
Alento dos olhos,
Atento ao que almeja.
Que seja rima, verta verso.
Num avesso de mim,
Por mim...
Sem mim...

Que minh’ alma dance e cante
O instante derradeiro do improviso.
Que acalante meus desejos
Em solfejos mágicos e realidades fantásticas.

Que aqui se curve meu orgulho.
Que se eleve a criatura em mim adormecida,
Em brasa e mergulho boca à dentro.
O momento exato de paixão contida,
De escárnio desta carne.

Que venham...
E me valham os deuses...
Untados pela fraqueza de homens embrutecidos.
E assim, neste ínfimo presente, tatue-me em digno signo.

Pince-me a flecha impregnada de humanidade divina
Sina do estranho destino, sopro de vida mundana,
Na inabalável mística do tempo
Este templo dos viveres, mansão das imperfeições.

Ah! Se me julgas desconexo,
Não te aflijas diante de tal mazela.
A fera que me rende, contida em mim já está.
E o que há de divindade, em humanidade se dissipou.

Fraca e mutável como esta carcaça,
Mortal, posto que seja carne.
Vital, já que respira sonhos fugazes.

E, assim,
Antes que eu decida desistir deste dito,
Reverencio-lhe o ato escrito...

Chiquinho Silva
07/07/11 – 22:22