Apresento a vocês o primeiro texto da nova autora do blog, Isa, que postará seus textos aos sábados. Seja bem-vinda!!!!!!!!!
Cantando eu mando a tristeza embora
A tristeza é senhora,
Desde que o samba é samba é assim.
A lágrima clara sobre a pele escura.
A noite, a chuva que cai lá fora.
Solidão apavora,
Tudo demorando em ser tão ruim,
Mas alguma coisa acontece
No quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora
(Caetano Veloso)
Eu gostaria de ter o poder de escrever com música, um compor que saísse assim todo notas, todo melodia, todo beleza, alegria e ternura de muitas canções, mas eu não sei. Gostaria também que as minhas palavras tivessem cheiro (elas têm quando as junto, mas não sei grudar isso no texto). Não me preocupa que as palavras tenham cor, talvez por ser esse um recurso possível, mas, música e cheiro seriam fundamentais.
Na verdade, acho que a minha vida é assim, toda palavras, músicas e cheiros. O olfato é um sentido muito discreto, pois podemos ativá-lo, silenciosa e secretamente, em qualquer lugar, eternizando os odores em nossa alma. Pena que nem todos os ambientes nos permitam nos expandir através da música; pena que às vezes as pessoas mais próximas de nós se incomodem com a música, em vez de apreciá-la, de se entregar a ela e, por isso, só possamos ouvir o silêncio... Mas, enfim, sou, desde sempre e para sempre, uma pessoa cheiros, palavras e canções.
Esses dias, candidatei-me para doação de medula devido ao apelo de um colega de trabalho, de vinte e poucos anos, que necessitava de um transplante, e procurei incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo. Hoje, soube que ele morreu, talvez por falta de um doador compatível ou por causa da lentidão do sistema de saúde nos processos de doação. Enfim, precisava tão pouco para ele viver e esse pouco não chegou. E talvez eu mesma não possa mais ser uma doadora, apesar da minha vontade de fazê-lo.
Também por esses dias, soube que tenho uma doença degenerativa progressiva na coluna (por isso me pareço tanto com oQuasímodo, de Notredame, só que mais alta). Bem, temos de reconhecer, antes de tudo, o poder da ambiguidade das palavras: progresso parece sempre algo tão bom, mas, no caso da minha envergadura lombar, a palavra progressiva não guarda em si nada de bom, pois...
...soube também que precisarei fazer uma cirurgia na coluna e, como não sou mulher de embromação (capricorniana pra quê, afinal?), decidi resolver logo isso e marcar a cirurgia, que será nos próximos dias, vencida a burocracia do convênio. E até mesmo essa tristeza tem cheiro e tem canção. O cheiro é de orvalho no capim de manhãzinha e, da canção, vocês viram um trecho acima, afinal, mesmo quando a solidão apavora, porque as pessoas mais queridas têm o seu próprio centro de gravitação e nem sempre podem estar próximas, disponíveis, acessíveis, ao alcance de nosso medo, insegurança e dor, fazendo com que tudo se demore em ser tão ruim, alguma coisa sempre acontece no quando agora em mim e, cantando, eu mando a tristeza embora...
Acho que agora era um bom momento para dançar um xote do Fala Mansa. Xote com cheiro de bala de goma. Pena que o Bruno Andaluz, meu parceiro de quase todas as coisas na vida, de caspa a calo, não esteja aqui. Afinal, sabe-se lá se depois do bisturi me restará molejo para dançar! Quanto tempo terei de ficar acamada, impossibilitada, reduzida, diminuída, limitada? Ah, como é triste ter asas e não poder voar! E quanta gente pode e não voa!
Bem, não sei se este texto, assim desprovido de cheiro, de poesia, de nexo e de canção, é um bom texto para estrear na sala solene do blog, mas, só sei escrever com o coração, e hoje ele está assim meio silencioso, meio calado, tentando ouvir a resposta para a pergunta que meu colega de trabalho deve ter-se feito ao descobrir a leucemia e que eu também me faço: por que agora, quando a vida está tão plena? Por que tão sério? Por que tão cedo? Por que motivos eu? Mas, mesmo que a solidão, mais que a dor física, mais que a incerteza, apavore, fazendo com que tudo demore em ser tão ruim, eu sou a Isa, e alguma coisa sempre acontece no quando agora em mim e, cantando, eu mando a tristeza embora... Cantando, eu mando a tristeza embora.
Isa Oliveira