Prosseguindo na homenagem, junto minha saudade à tua sensibilidade, querido Gilson, e peço licença para a postagem em dia que não é exatamente o meu.
Teu texto me trouxe tantas recordações e considerando que Naldo ia com minha cara, reporto-me pessoalmente a ele nesta carta e carga de emoção:
Querido Naldo,
quando passaste à dimensão do mistério, lembrei-me de sua consciência limpa e pura, sem nome nem forma, sendo simplesmente o que foste, lançando sementes, sementes rebeldes, propondo novidades, desafiando sem temor nem piedade, a caretice reinante e dominante.
Recordo tua leitura de A paz, do Marcelino, que concedeu ao poema a condição de poesia viva.
Recordo tua indignação ao me ver indignada e com as mãos na cintura, me interpelar: Mulé, que revolta é essa???
Naldo, pessoa valiosa...
Que das tuas sementes nasçam novos brotos, renovados.
Me despeço da tua presença e mergulho na tua saudade com um adeus que não é um adeus, visto que continuas em nossa lembrança.
Qualquer dia amigo, a gente vai se encontrar.
Com ternura,
Marli
sábado, 1 de junho de 2013
quinta-feira, 30 de maio de 2013
Naldo
Um
dia um menino sonhador me disse que a vida é feita de travessias. Eu acreditei.
Sonhei junto com ele e nesse universo de concordância nós viajamos por
diferentes pontes. No trajeto que fizemos descobrimos um leque de discordâncias,
e elas foram, aos poucos, nos unindo ainda mais. Ai descobrimos que travessias
não implicam, tão somente, em sintonia de idéias, ainda que, no campo dos
sonhos o horizonte seja o mesmo.
O
menino se tornou uma das minhas principais pérolas de amizade. Daquelas que
sobrevivem a qualquer rede social. Éramos muito mais adeptos às redes
artesanais, nascidas de culturas vivas, feitas para o descanso nas horas de
cansaço.
Na
rede da vida nos balançávamos como crianças! Aliás, na sua dimensão mais
infantil eu me amedrontava com suas brincadeiras, afinal, sua coordenação
motora era um fiasco e ele sempre se desafiava. Eu brincava com ele, no
entanto, eu sempre fui menos aventureiro.
Há!
Como apreciava os cafés em casa, regados a diálogos profundos! Entrecortados,
divertidamente, por um personagem por ele criado e que se insurgia em meio aos
textos sérios de nossos diálogos. Brincar e filosofar, filosofar brincando como
criaturas livres para expressar o que sentiam.
Era
um menino para se viver emoções essenciais. E eu vivi! Tão intensamente que
hoje, distante delas, eu vejo a vida com uma porção menor de felicidade. Sim! A
porção de felicidade daquele menino era algo insubstituível. Essencial. E o que
está dentro desta categoria é eterno.
Hoje
vivi na memória - cuidada como uma relíquia - os instantes lúdicos das
brincadeiras dos parques, das vivências em minha casa em dias de festa, nos
cafés da manha nunca mais vividos como naqueles dias, nas passeatas de protesto
por justiça social, nas viagens de férias, na travessia para o Mestrado e sua firme
defesa de tese na USP, no carinho dele com meus familiares e amigos - só os que
ele topava - nos saraus onde a sua veia indignada gritava, nos torpedos
noturnos que traziam algum sabor aos dias mais amargos, no meu aniversario de
40 anos em Camaragibe...
É...
Memória é como um baú onde nos movimentos dos pequenos ciclos vamos visitá-lo
para degustar saudade e ver um pedaço de felicidade ali dentro, sem permissão
para se libertar, pois só ali ainda existiria. Memória é um cantinho onde o
encontro - ponte se realiza na intermediação das fotos, dos amigos, dos escritos...
Quando
aquele menino começava a sonhar uma nova travessia, a fez, sem desejar,
atravessando uma ponte para o mistério. O menino sonhador foi encontrado sem
vida, dentro de seu quarto, no Acre. Ao saber, esse seu amigo saiu a comunicar
aos afetos em comum aquela que era a notícia mais triste anunciada por ele.
Ah! Como eu queria que ele, onde estivesse, fosse “à
caixa dos milagres e roubasse três, com o primeiro fizesse com que
ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo se criasse
eternamente humano e menino (...)” e, com o terceiro, que ele vivesse “na minha
aldeia” comigo e com os nossos saudosos amigos.
Um
ano sem NALDO
é um tempo
sem a indispensável
emoção essencial.
Gilson
Reis
30.05.13
terça-feira, 28 de maio de 2013
As andanças por esses saraus da cidade me permite conhecer pessoas e
textos que igualmente impressionantes. Foi assim na terça-feira passada quando
conheci o poeta Paulo D’Auria, no Sarau Encontro de Utopias, declamando o texto
abaixo. Espero que o Paulo não fique zangado comigo por estar socializando seu
texto nesse espaço. Um dia vou declamá-lo num desses saraus. É o tipo de texto
que me cativa de imediato e vê-lo recitado de maneira tão intensa foi uma experiência
religiosa, no melhor sentido da palavra.
O Evangelho
Segundo São as Ruas
25 de dezembro
de 1980, Jesus Cristo voltou! Nascido em família pobre em meio à seca do norte,
não tiveram outra saída a não ser descer para São Paulo. Mas eram os anos da
carestia, dos panelaços, dos arrastões em supermercados. A mãe, acostumada a
paz do campo, não resistiu a tamanha mudança: enlouqueceu. O pai ainda buscou
tratamento em hospital público mas, não tinha vaga, não tinha vaga, não tinha
vaga. De volta pra casa, a louca não durou muito, fugiu, sumiu nas ruas da
cidade.
O pai foi
vivendo como pôde, de bicos. Mas o aluguel mês a mês parecia cada vez maior.
Nunca soube explicar direito como foram parar na rua.
Jesus Cristo
voltou! E foi pivete de farol, limpou vidro, vendeu bala, foi xingado, quase
atropelado,
tomou cusparada na cara, se fortaleceu.
Fazia suas
correrias durante o dia, à noite tomava seus goles com o velho e iam dormir.
Sempre com um olho aberto.
Foram anos
bons, duraram pouco. Tinha dezessete anos Jesus no dia em que seu pai
partiu e se
viu sozinho neste mundão chamado São Paulo. Só ele e sua carroça de catador.
Teve doze
amigos, uma mulher. Nunca teve filhos. Dizem que fundou uma cooperativa, que
foi um desses líderes ouvido e respeitado por todos os catadores. Dizem que até
milagre o homem fez. E que foi por isso que o polícia andou no seu encalço, interrogando,
dando porrada em torto sem direito. Dizem que até dinheiro grosso o polícia ofereceu.
E, numa dessas, lhe cantaram a bola.
Jesus Cristo
voltou, tinha 33 na noite em que, debaixo de anônimo viaduto no Bresser, ele e
mais dois companheiros foram queimados vivos. Nessa noite São Paulo dormia com
os dois olhos fechados.
Paulo D`Auria
segunda-feira, 27 de maio de 2013
Liberdade e Resiliência no 13 de Maio
Nesta última segunda-feira
do mês, faço uma reflexão acerca do dia 13 de maio, dia em que se celebra o fim
do sistema escravista do Brasil, e consequentemente a libertação dos escravos. O
fato de se celebrar ou não este dia já foi motivo de muitas discussões entre os
negros brasileiros, pois sabemos que a libertação não devolveu aos que foram
escravizados a dignidade, nem promoveu sua inserção na sociedade com direitos e
o respeito que todo cidadão merece. No
entanto, é importante lembrar que, neste momento no Brasil, em situação de
submissão, seja em âmbito doméstico ou nas fazendas, existia apenas 5% da
população, visto que a maioria já havia sido alforriada ou estavam vivendo nos quilombos,
que existiam na época, de modo que o fim da escravidão era previsto por ter se
tornado insustentável em função da mudança de paradigma social das nações europeias.
Logo, não houve nenhum ato beneplácito da parte da Princesa Isabel, que diante
das pressões política interna e externa e a realidade da escravidão no Brasil,
não lhe restava outra saída senão assinar a lei Área. Pois bem, ainda assim a liberdade instituída oficialmente
para todos os negros e negras foi muito bem vinda, pois a liberdade não tem
preço. E, mesmo diante das várias formas e tentativas de destituir da pessoa
negra, a característica original de todo ser humano, ou seja, o ser
homem/mulher, muitos assimilaram esta negação - de não ser -, e se perderam – matando aqueles que os escravizava ou
morrendo físico e/ou psicologicamente, quando não vislumbrava saídas para a
vida – morte da usa existência. Muitos, no entanto, conseguiram dar a volta por
cima e refazer sua vida. Podemos citar como exemplo os Irmãos da Irmandade do
Rosário dos Pretos, que sendo resilientes, se reconstroem continuamente dentro
deste mesmo processo de desconstrução do ser homem/mulher negra e de sua
cultura, que se supõe uma consciência grupal operosa e operante que desentranha
da vida presente os planos para o futuro. Eles desenvolvem alguns mecanismos de
proteção como a autoestima elevada, determinação, confiança, sociabilidade,
capacidade de abstrair sentidos positivos e reconhecer como efetivo o suporte
do grupo. Além de poder contar com a possibilidade de estruturação de vínculos
novos e reestruturar os antigos, o que favorece o desenvolvimento do espírito
de mudança; de algo dinâmico, não estático. Nesta perspectiva, pertencer a esta
irmandade, produziu nos negros e negras, resiliência. A fé em Nossa Senhora do
Rosário, somada a outros valores sociais e culturais fazia com que não
desistissem da luta por uma vida melhor e digna. A insistência em celebrar a
vida, e vislumbrar um futuro melhor é proveniente da memória de seus
antepassados, cuja lembrança renovava a esperança dos Irmãos, que naquele 13 de
maio de 1888 celebrou a vitória da vida e da confiança que tinham em si e no
grupo em que estavam inseridos. Assim, Salve 13 de maio!
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