AO MEU QUERIDO NALDO.
Cheiro
de Saudade.
Ta
tudo bem por ai? Aqui, meu amigo, a vida
anda a mil. 5 anos já se passaram e tantas vidas já acenaram distantes... vejo
nas mãos que acenam uma ponte que nos separa, mas que nos une. Ah, antes que eu
esqueça, vai que a emoção toma conta de minha alma e eu esqueça, não é? Então, nosso
Belchior também já fez a travessia. Eita que nem imagino como a roda de violão
ta boa em algum espaço que nem acreditava, mas que agora deve ocupar algum
pedaço transparente no universo, ou fora dele. Algum pedaço do mistério que eu só
passei a esperançar depois de ti.
“Ouvi
dizer num papo da rapaziada que
aquele amigo que embarcou comigo, cheio de esperança e fé, já se mandou...” Foi
no dia 30 de maio que Belchior cantou outra vez este verso e a minha emoção
toda pediu licença à racionalidade pra velar a vida atravessada.
Estava
revendo suas fotos ao som de Hallelujah, de Leonard Cohem. Foi sublime o
instante de dar vida às imagens como se elas se sobressaíssem da tela e tomasse
corpo, se enchessem de lágrimas, e gritassem, e gargalhassem...e fizessem caretas...
e ...contassem estórias e ... inventassem causos e ... saltassem no ar desordenadamente...
eu senti o cheiro do vinho quando ficávamos embriagados de poesia nas noites e
madrugadas regadas à poesia... eu senti medo dos teus malabarismos arriscados,
mas desprovidos de teus receios em coordenar o movimento de teu corpo.. eu senti o cheiro da água de mar que te
carregavas num barco...o barco, é pra mim, como o teu colo que te pega e te atravessa.
Eu também senti o cheiro do peixe que comias ao redor de uma família ribeirinha,
simples, como era simples a condução que davas à existência.
Imagine, eu corri
contigo por entre a paisagem verde e cinza do campus da USP, namorei a negra
maluca da janela, arrisquei até dar pinotes! Eu orei em Tupi Guarani-Kaiowá... Sim!
Eu senti o cheiro das pólvoras que se espalhavam depois de um festival de fogos
à beira mar, ali, eu, você, Rosinha, Antônio, Laudecir, Mauro, Valteir. Ah!! E antes
que eu esqueça, meu mestre Naldo, o nosso amigo Laudecir agora também é mestre.
Mais um negro Mestre. Você teria adorado dar aquele abraço nele todo arrodeado
de gente que tem o maior orgulho dele.
É
amigo, olhar tuas fotografias não é um experiência desprovida de sentido, é uma
vivência engravidada de sentimentos. Não se pode olhar tuas imagens sem que a
alma toda se sacuda e o coração invente uma outra forma de bater.
Por aqui, meu
amigo, as tuas bandeiras de lutas estão sangrando. Eu me batizo a cada vez que
revejo a tua foto onde entregas toda tua alma e se jogas na contramão da
autoridade policial que te sufoca o pescoço. Era a primeira greve da USP contra descaso do Serra em relação à Educação. Sim,
naquela imagem eu me vejo renovando o compromisso de olhar o humano na sua
integridade.
Esses dias houve um massacre de indígenas durante
protesto pela volta da demarcação de terras, e muitos deles, vulneráveis,
precisaram ser socorridos após caírem em meio a bombas lançadas pela PM. Na
Cracolância, usuários de drogas estão sendo varridos como lixos, agora se
concentram na Praça Princesa Isabel e ali, numa praça com tal nome, concentram-se
centenas de negros ainda escravizados. Bela carta de alforria senhora Princesa!!
Teu povo agora grita Fora Temer, pois ele e sua quadrilha deu um perverso golpe
na Primeira mulher a presidir o Brasil. Lembro de você, que também é mulher,
todo orgulhoso quando ela chegou no Poder. Por aqui Naldo, a palavra que tomou
conta de nossas salivas é corrupção.
Mas cê sabe né, agente se refresca com
outros jeitos de sentir a vida, por que somos tão vitais e nos amamos como quem
sente a vida na sua plena eternidade. E ai agente, vez em quando, se encontra pra
dizer uns aos outros o quanto a amizade é preciosa. Esses dias estava numa
festa cigana e nosso amigo Spel perguntou: Vocês estão gostando meus amigos? Eu
disse: Sim! Mas chega um tempo em que há tanta preciosidade em estar com os amigos,
que as festas tornam-se meros detalhes, cenário, ilustrações pra o que há de
mais sublime. E naquele instante, foi natural sentir que ali estavas... Pois é
cara... agente se encontra cada vez que que a beleza resolve dizer que ainda ta
ali, discreta e sensível.
Ah! E antes que eu
me esqueça, rs rs rs, acho que to ficando meio esquecido... você adoraria tomar
um chá com os amigos na Chácara dos cheiros, é um novo cantinho nosso, um lugar
pra agente dizer, em meio à natureza, na companhia dos pássaros, o quanto nos
amamos e o quanto sentimos saudades uns dos outros.
Saudade de tu,
visse?!
A vida vai melhorar!
Depois te conto.
Eternamente...