terça-feira, 26 de novembro de 2013

O SABER DAS COZINHEIRAS – (Baseado em Rubem Alves)

 
Banquete é sinônimo de partilha. Tal idéia sinaliza o desejo de estar junto. Mas um estar que se alimenta do alimento de cada um. Dos temperos que gostamos, das receitas que apreciamos, doces ou salgadas, e até sem doce e sem sal. No entanto, banquete não é só de alimento, mas de vontades! Intenções! Sonhos!  Banquete de corpos e mentes em desejo! É todo o contrário de tudo isso! Ou seja, banquete não é só de sabores, mas também de dissabores. Cada um ou cada grupo faz a sua opção. Optamos pelos sabores.

Vamos ao banquete? Mas um banquete onde eu e você possamos viver um processo orgástico! A proposta é banquetear a partir do que apreciamos e isso se dá numa dinâmica de desprendimento. É importante o fazer prazeroso daquilo que sabemos, mas com uma pitada de surpresa oferecida pelo outro, pois este banquete não será realizado com a receita pronta, mas por fazer. Não chegaremos à mesa dos prazeres com a receita em seu estado final. A faremos. O que chegará ao salão de celebração e de prazer será o resultado de segredos pessoais misturados, diversidades que decidirão pela orgia de desejos, medidas, temperos... sentimentos.
 
Rubem Alves, em seu livro Variações sobre o Prazer, deliciosamente me presenteado pela minha amiga Deise, acerca do ato de sentir, cita o Filósofo Charles Sanders Peirce que afirma o seguinte: “Nossa idéia de qualquer coisa é nossa idéia dos seus efeitos sensíveis. (Assim) considere quais efeitos que possivelmente possam ter conseqüências práticas, que nós imaginamos que o objeto em questão tenha. Então, nossa concepção desses efeitos é a totalidade da nossa concepção do objeto”

Nesta perspectiva, Rubem Alves defende que as cozinheiras trabalham com efeitos sensíveis: O prazer tem de ser gostoso; o prato tem de ser cheiroso; o prato tem de ser bonito; o prato tem de ser excitante ao tato – por isso a pimenta, o cuidado para que não fique nem mole nem duro demais -. Quando uma cozinheira pensa-cozinha ela leva em consideração a totalidade dos efeitos práticos que o prato que ela está preparando irá ter sobre aquele que vai degustá-lo. E finaliza dizendo que todos os sentidos, sob a primazia da boca, se juntam para produzir o prato imaginado.

Vale aqui citar o verso de um Poema de Mario Quintana que diz:

Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu lhe saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto

 
Assim diria Babette e Tita, cozinheiras revolucionárias de dois belos filmes. A primeira do “A Festa de Babette” e a segunda do “Como água para Chocolate”. O que há em comum e impactante nas duas nobres cozinheiras é exatamente a sua percepção culinária pautada na revolução dos sentimentos, o que, conseqüentemente, gesta no ventre dos degustarores, novos desejos, vontade de mudança, auto critica, novos sentidos e significados, novos encontros, com novos toques, proximidade, olhares afetuosos e libidinosos, uma verdade que se escondia por trás do “encouraçamento” familiar, social...

Babette promove o olhar afetivo de velhos amigos que, tradicionalmente, se encontravam, sob uma ótica da razão, do pensar cristalizado. Velhos endurecidos cuja inveja os tornarão amargos e ácidos. A Codorna ao molho de pétalas de rosa que preparara incutiu no grupo um novo sabor no ato de estar junto. Tita “enlouqueceu” os convidados do banquete com sua receita afrodisíaca, levando os mais comedidos a cometerem atos de libidinagem desejados e antes reprimidos. Juntas, transformaram a experiência do disfarce e do endurecimento, em uma vivência do paraíso.
 
Eu gosto de gerar novos sabores, alimentar convidados ao banquete com a mais nobre receita que tenho! Deliciar-me na receita do outro, misturar sabores! Que tal banquetearmos qualquer dia desses? Pode ser em minha casa ou na sua. Fazermos uma experiência de estrado de graça, desatadora de amarras sexuais! Como comer manga se lambuzando! ...assim! Livre.

Viva Babette e Tita

Gilson Reis

28.11.13




2 comentários:

  1. Deliciosamente e degustador. De fato, os sabores do prato nos leva a elucubrações inimagináveis. As pessoas que cozinham que o digam, a minha esposa por exemplo é uma dessas que adora coisas novas na mesa! e quando alguém reza "que esta comida não nos faça mal" ela logo responde: pode confiar a minha comida não faz mão, pois Santo Expedito é meu ajudante..rsrs

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  2. Que deliicia! Quero apreciar a culinária da Babette que tem em sua casa! Cheiro de codornas ao molho de pétalas de rosas

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