Ontem foi dia dos professores. As datas comemorativas, além dos
parabéns, das homenagens, são sempre ocasiões oportunas para uma boa reflexão,
neste caso sobre essa profissão tão desgastada. Ainda pela manhã vi na
televisão uma série de reportagens mostrando as péssimas condições de trabalho
a que os professores, nas diferentes regiões do Brasil, enfrentam; desde as precárias
condições matérias das escolas às dificuldades no relacionamento com alunos,
pais, governo e a sociedade em geral. Entretanto, o que me chamou a atenção foi
o texto de um amigo, Gerson, publicado no facebook, em que fez sua homenagem
aos professores a partir de sua história. Conheci o Gerson há poucos dias em um
Sarau e pode soar estranho chamar de amigo alguém que ser tornou conhecido há
tão poucos dias. Entretanto, uso essa palavra no sentido em que entendo que
Vinicius de Moraes atribui em um de seus poemas sobre o amigo quando diz: “... tenho
amigos que não sabem o quanto são meus amigos... ...Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na
sagrada relação de meus amigos. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro,
embora não declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que
eles não tem noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao
meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente,
construí, e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida... ...a gente não faz amigos, reconhece-os”.
Com sua autorização,
segue aqui o texto na íntegra:
Lembro nosso primeiro encontro. Eu de camiseta
branca, bermudinha e conga vermelhos, chorava atrás da porta da escolinha por
me sentir sozinho, abandonado por minha mãe. Você sorriu, me afagou e me
mostrou outras crianças como eu cheias de lágrimas e ranho nas carinhas.
Em outros encontros você me desafiou a chegar no
limite de meu potencial quando jogou na minha cara que eu e meus colegas
éramos educados para sermos mão de obra barata, que a escola pública estava
abandonada. Tive raiva de você naqueles tempos, não entendi num primeiro olhar
e no primeiro sentimento que era um alerta e ao mesmo tempo um desabafo de sua
parte ao ver o descaso com a educação, com os educadores, com a nossa escola.
Quando você me perguntou o que eu ia fazer no segundo grau e eu não soube
direito o que responder, escolhi a escola mais porque queria reencontrar meu
amigo querido do que por plano pedagógico.
Nós, os filhos dos trabalhadores, não tínhamos assim tantas opções.
Percebi antes de me afastar que seu olho marejou, talvez por imaginar que mais
uma vez a escola e a política de deseducação tinha ceifado mais um. No nosso
reencontro para ser sincero eu já estava desestimulado, os meus sonhos não
cabiam naqueles pavilhões que mais pareciam cadeia do que praça. Não fosse a
música, não fosse a filosofia, não fosse a poesia que me arrebataram, não fosse
o futebol de salão que tomava metade de meu expediente acho que não teria
prosseguido. Mas você me apresentou Sócrates, foi um encontro muito feliz,
porque passei a saber que o meu potencial era do tamanho do mundo que eu
ignorava, e me reconhecer como ignorante ajudou a dimensionar a minha soberba.
Você me apresentou Platão e eu consegui entender que o mundinho que eu conhecia
e concebia eram projeções. Foi um grande prazer entender a origem de meu povo,
entender como tanta gente foi parar nos sertões de onde vim, porque tantos
sertanejos emigraram, o que eu e minha família viemos fazer nas periferias da
metrópole. O momento mais especial deste reencontro foi quando revelei minhas
aspirações, que talvez não combinassem com um moleque que passava metade das
aulas na quadra de futebol, um quarto das aulas fazendo o que chamávamos de
música. Você me ensinou o caminho e que no meio dele tinha não uma, mas muitas
pedras. Me apresentou o cursinho pré-vestibular, a prova de bolsa, a convicção
de que eu passaria no vestibular. Eu não tinha ideia de que para entrar na
Universidade tinha que passar por isso tudo, foi você quem me alertou que não
era só sentar e fazer a prova. E você teve convicção do tamanho da minha, que a
medicina seria uma carreira que combinaria, e muito, com um menino que gostava
tanto de poesia e ciências sociais. Não vou tratar de nosso terceiro encontro
na Universidade, textos compridos demais dão sono até para quem escreve. Mas
receba essas declarações com amor e com os meus mais sinceros agradecimentos,
obrigado, não só pelo que representaram em minha vida, mas porque vocês, que
são um grupo seleto dentro de uma corporação tão explorada, tão sofrida,
conseguem fazer diferença na vida de milhares ou milhões de educandos, é por
causa das professoras e professores como vocês que a barbárie ainda não
prevaleceu e que podemos manter a esperança em dias melhores.
(Gerson Salvador de Oliveira)
Acredito que a história de muita gente está contemplada em suas palavras.
Penso que os professores foram os profissionais que mais me cativaram ao longo
da vida. A todos eles: PARABÉNS!!!
Fica aqui, mais uma vez, o convite para que você, Gerson, quando puder, esteja
conosco no Sarau Coletivo Cultural Pegando o Gancho.
"Não fosse a música, não fosse a filosofia, não fosse a poesia que me arrebataram, não fosse o futebol de salão que tomava metade de meu expediente acho que não teria prosseguido..."
ResponderExcluirA Educação formal precisa saber com quem estao se RELACIONANDO, pois esta carencia de entendimento gera muitos equivocos pedagógicos!
ResponderExcluirEsse texto do Gerson sugere tantas reflexões.... seja para a educação formal seja a não formal. O que mais me chamou a atenção foi esse reconhecimento ao papel do professor (nesse caso no espaço formal) e a importância dos mesmos em sua vida.
....é por causa das professoras e professores como vocês que a barbárie ainda não prevaleceu e que podemos manter a esperança em dias melhores...
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