segunda-feira, 11 de março de 2013

Por que é tão difícil construir a genealogia de um afrodescendente?

Por que o Brasil negou à população negra, durante séculos, o direito a uma família. Assim adquiriu uma dívida impagável nos diz Afonso Ligório Soares. Pós - doc pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista, desenvolve pesquisas nas áreas de Ciências da Religião, Teologia, Ética, Ecumenismo, entre outras e é professor na PUC – SP. Ele nos chama atenção para o fato de que a história da dívida social brasileira para com as famílias descendentes de africanos confunde-se com o próprio sangramento imposto à África pelo tráfico internacional de escravos. Em seu artigo “a dívida para com as famílias negras”, nos mostra que a escravidão africana começou timidamente em algumas ilhas de possessão portuguesa no Atlântico, e que depois passaram a ser o que se chamou de laboratório para o Escravismo nas Américas. O Brasil entrará neste processo somente 100 anos depois. A experiência satisfatória nas ilhas animou todos a dar o passo decisivo: as Américas. Logo o Brasil será o grande campeão do tráfico negreiro: 38,1% dos africanos chegados às Américas vieram pra cá. Esse imenso contingente de população escrava e não cidadã deu o tom de toda a história da Colônia e do Império. Em breve: nós somos uma nação que, na maior parte de sua história, teve como maioria uma população em cativeiro, subjugada pelo regime de escravidão. Uma população de não brasileiros, que custará caro às famílias africanas, pois em quatro séculos a África perdeu de 65 a 75 milhões de africanos; e aos seus descendentes. Este mercado vai exigir cada vez mais mão de obra; e a mão de obra especializada vai ser a africana: masculina e jovem. Foi privilegiada a aquisição de varões. O africano trazido para a América na condição de escravo era tratado como peça e vendido individualmente. Nunca houve preocupação em proporcionar um grupo social oficial para esta população. O filho de escrava/o, mesmo branco, era escravo e não acompanhava a mãe quando vendida/o. De modo que o tempo passa e, à população negra será negada a possibilidade de formar uma família. Até houve casamento entre escravos, porém diante da necessidade de comercialização de um dos dois, isto era feito sem maiores preocupações. O afrodescendente buscará formas de se associar a um grupo. A religião será um destes espaços. O terreiro de Candomblé, os quilombos e as irmandades são exemplos de que o sentido de pertença a uma comunidade a um núcleo familiar permaneceu vivo entre os descendentes de escravos. A herança desta parte da história é observada nos dias de hoje, nos milhares de crianças aptas para adoção que crescem nos orfanatos apenas pelo fato de serem negras; o número de menores com pais desconhecidos é maior entre a população negra; também até pouco tempo atrás, o percentual de homens negros nas prisões era muito maior que o de homens brancos. E suas famílias? Precisamos lembrar que o perfil socioeconômico da população negra da atualidade é resultado da ausência de uma ação efetiva do Estado Brasileiro de promoção e inserção, com igualdade de direito, em nossa sociedade. Isto também explica a baixa alta – estima do brasileiro, que em geral, se ver como inferior aos outros povos, sobretudo quando este outro é europeu ou estadunidense.
 

3 comentários:

  1. Pertinente seu texto principalmente para mim que toda segunda converso com os adolescentes sobre a questão étnico-racial. Quinta feira tivemos a honra de receber um apaixonado pelas questões de discriminação seja ela qual for, no caso ele é negro, foi rica a reflexão que fizemos e agora vc vem nos enriquecer com dados estatísticos de algumas situações. Obrigada.

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  2. Muito bom!
    Fiquei pensando em toda essa discussão em torno do Trafico de Seres Humanos que, diante do trafico negreiro constato ter sido gerada muito tempo e tempo e tempo depois! É muito recente o Protocolo de palermo que institui e caracteriza o crime de trafico, data do final do século passado...(bem pertinho heim) alem dos planos de enfrentamento ao trafico, ainda mais proximo ainda, data desta decada. TÔ SENTIDO CHEIRO DE MAIS UMA DÍVIDA HEIM CONCEIÇÃO!!

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  3. To aqui pensando: será que na verdade esse tráfico nunca deixou de existir. Foi só na teoria?? Hummm
    Conceiçã, já disse mas vale sempre repetir, seria melhor não precisar ler um texto tão cruel sobre uma realidade tão perversa, mas já é fato então escancaremos, que ninguém diga que não sabia, que nunca ouviu dizer.

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