sábado, 12 de novembro de 2011

Lamento

Senhor, por que não me fizeste cinza
como a tantos outros?
Por que, Senhor, me fizeste púrpura,
rajada de verde néon?

Por que, Senhor, não me fizeste menos?
Por que me selaste
com essa incômoda visibilidade?

Por que a combinação
de letras e números, por extenso,
em vez um anônimo código de barras?

Por que, Senhor, me deste essa fome
que não se contenta em só saciar o estômago,
mas anseios de saciar a alma?

Por que essa sede, Senhor
e essa angústia que não se aplaca?

Por que em vez de respostas
me deste tantas perguntas?

Por que, Senhor, em vez da crença cega
o potencial da dúvida?

Por que essa ânsia de inventar caminhos
em vez de seguir as sendas já trilhadas?

Por que, Senhor, não me fizeste cinza?
Por que esse rosa choque
com bolinhas prateadas e um penacho multicor?

Por que, Senhor, me fizeste assim?
Por que não me deste a dádiva do anonimato?

Por que em vez do gozo com as sensações
a necessidade do amor pleno?

Por que, Senhor, me deste essa estatura
que por mais se me curve a coluna
não se me pode curvar a alma?

Por que caprichos, Senhor,
não me fizeste igual
na sua produção em série?
Por que, Senhor, não me deste
o dom da invisibilidade, como a tantos?

Por que, Senhor, me deste discernimento
em vez de aceitação?
Fome de justiça em vez de conformismo?

Por que, Senhor, por que secreta razão,
me fizeste tão desigual e me lançaste num mundo
onde a desigualdade fere tanto?

Por que, Senhor, explicai-me,
me fizeste assim, tão irrevogavelmente ímpar
e tão irremediavelmente só?

Por que, Senhor, me fizeste assim,
uma criatura de amor, recheada de inocência
e revestida de ternura?

Por que, Senhor, por que não me abençoaste
com o sublime dom da mediocridade?
Por que, Senhor, me fizeste pedra em lugar de alvo?

Ouvi, Senhor, o meu lamento
e falai ao meu coração.
Por que me fizeste palavra em vez de silêncio?
Por que, Senhor, me deste essa voz
Que não sabe conter-se?

Por que, Senhor, não me fizeste cinza?
Por que fúccia com traços purpurina?

Por que me fizeste verso
num mundo tão em prosa?
Por que ficção num mundo de estatísticas?

Ó, Senhor, por quê?
Por que me fizeste poeta
e me deste uma alma incapaz
de suportar tamanha dor?

3 comentários:

  1. POIS É ISA.
    TALVEZ FOSSE MELHOR A INOCÊNCIA. O PARAISO SEM PECADOS... JÁ ESTAMOS NESSA QUERIDA, AGORA TEMOS QUE TOCAR PRA FRENTE ESTE SER QUE SENTE! PENSA! ENTENDE! NAO ENTENDE! DOI! RIR! PERGUNTA!
    ASSUMAMOS!

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  2. Isa,
    Que texto lindo. Acho que ele é opotuno para iniciar em uma aula de filosofia. Acho que vou usar em uma de minhas aula, posso? Outro dia li um texto de Antonio Trajano sobre filosofia em que ressaltava que em matéria de filofia não importa tanto as respostas, as interrogações são mais importantes...

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