Um
dia um menino sonhador me disse que a vida é feita de travessias. Eu acreditei.
Sonhei junto com ele e nesse universo de concordância nós viajamos por
diferentes pontes. No trajeto que fizemos descobrimos um leque de discordâncias,
e elas foram, aos poucos, nos unindo ainda mais. Ai descobrimos que travessias
não implicam, tão somente, em sintonia de idéias, ainda que, no campo dos
sonhos o horizonte seja o mesmo.
O
menino se tornou uma das minhas principais pérolas de amizade. Daquelas que
sobrevivem a qualquer rede social. Éramos muito mais adeptos às redes
artesanais, nascidas de culturas vivas, feitas para o descanso nas horas de
cansaço.
Na
rede da vida nos balançávamos como crianças! Aliás, na sua dimensão mais
infantil eu me amedrontava com suas brincadeiras, afinal, sua coordenação
motora era um fiasco e ele sempre se desafiava. Eu brincava com ele, no
entanto, eu sempre fui menos aventureiro.
Há!
Como apreciava os cafés em casa, regados a diálogos profundos! Entrecortados,
divertidamente, por um personagem por ele criado e que se insurgia em meio aos
textos sérios de nossos diálogos. Brincar e filosofar, filosofar brincando como
criaturas livres para expressar o que sentiam.
Era
um menino para se viver emoções essenciais. E eu vivi! Tão intensamente que
hoje, distante delas, eu vejo a vida com uma porção menor de felicidade. Sim! A
porção de felicidade daquele menino era algo insubstituível. Essencial. E o que
está dentro desta categoria é eterno.
Hoje
vivi na memória - cuidada como uma relíquia - os instantes lúdicos das
brincadeiras dos parques, das vivências em minha casa em dias de festa, nos
cafés da manha nunca mais vividos como naqueles dias, nas passeatas de protesto
por justiça social, nas viagens de férias, na travessia para o Mestrado e sua firme
defesa de tese na USP, no carinho dele com meus familiares e amigos - só os que
ele topava - nos saraus onde a sua veia indignada gritava, nos torpedos
noturnos que traziam algum sabor aos dias mais amargos, no meu aniversario de
40 anos em Camaragibe...
É...
Memória é como um baú onde nos movimentos dos pequenos ciclos vamos visitá-lo
para degustar saudade e ver um pedaço de felicidade ali dentro, sem permissão
para se libertar, pois só ali ainda existiria. Memória é um cantinho onde o
encontro - ponte se realiza na intermediação das fotos, dos amigos, dos escritos...
Quando
aquele menino começava a sonhar uma nova travessia, a fez, sem desejar,
atravessando uma ponte para o mistério. O menino sonhador foi encontrado sem
vida, dentro de seu quarto, no Acre. Ao saber, esse seu amigo saiu a comunicar
aos afetos em comum aquela que era a notícia mais triste anunciada por ele.
Ah! Como eu queria que ele, onde estivesse, fosse “à
caixa dos milagres e roubasse três, com o primeiro fizesse com que
ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo se criasse
eternamente humano e menino (...)” e, com o terceiro, que ele vivesse “na minha
aldeia” comigo e com os nossos saudosos amigos.
Um
ano sem NALDO
é um tempo
sem a indispensável
emoção essencial.
Gilson
Reis
30.05.13
Bonita homenagem, Gilson. O Naldo realmente foi muito especial. Eu admirava sua garra, coragem de confronto, físico e intelectual, em defesa das minorias, dos menos favorecidos...Enfim, um amigo, companheiro!
ResponderExcluir