terça-feira, 28 de maio de 2013


As andanças por esses saraus da cidade me permite conhecer pessoas e textos que igualmente impressionantes. Foi assim na terça-feira passada quando conheci o poeta Paulo D’Auria, no Sarau Encontro de Utopias, declamando o texto abaixo. Espero que o Paulo não fique zangado comigo por estar socializando seu texto nesse espaço. Um dia vou declamá-lo num desses saraus. É o tipo de texto que me cativa de imediato e vê-lo recitado de maneira tão intensa foi uma experiência religiosa, no melhor sentido da palavra.

O Evangelho Segundo São as Ruas

25 de dezembro de 1980, Jesus Cristo voltou! Nascido em família pobre em meio à seca do norte, não tiveram outra saída a não ser descer para São Paulo. Mas eram os anos da carestia, dos panelaços, dos arrastões em supermercados. A mãe, acostumada a paz do campo, não resistiu a tamanha mudança: enlouqueceu. O pai ainda buscou tratamento em hospital público mas, não tinha vaga, não tinha vaga, não tinha vaga. De volta pra casa, a louca não durou muito, fugiu, sumiu nas ruas da cidade.
O pai foi vivendo como pôde, de bicos. Mas o aluguel mês a mês parecia cada vez maior. Nunca soube explicar direito como foram parar na rua.
Jesus Cristo voltou! E foi pivete de farol, limpou vidro, vendeu bala, foi xingado, quase
atropelado, tomou cusparada na cara, se fortaleceu.
Fazia suas correrias durante o dia, à noite tomava seus goles com o velho e iam dormir. Sempre com um olho aberto.
Foram anos bons, duraram pouco. Tinha dezessete anos Jesus no dia em que seu pai
partiu e se viu sozinho neste mundão chamado São Paulo. Só ele e sua carroça de catador.
Teve doze amigos, uma mulher. Nunca teve filhos. Dizem que fundou uma cooperativa, que foi um desses líderes ouvido e respeitado por todos os catadores. Dizem que até milagre o homem fez. E que foi por isso que o polícia andou no seu encalço, interrogando, dando porrada em torto sem direito. Dizem que até dinheiro grosso o polícia ofereceu. E, numa dessas, lhe cantaram a bola.
Jesus Cristo voltou, tinha 33 na noite em que, debaixo de anônimo viaduto no Bresser, ele e mais dois companheiros foram queimados vivos. Nessa noite São Paulo dormia com os dois olhos fechados.

Paulo D`Auria

Nenhum comentário:

Postar um comentário