Eu não estive no evento Multimídia em Ruínas, projeto viabilizado pelo programa VAI, do qual esse coletivo participou e com o qual colaborou, no último domingo.
Contudo, sei que se considerarmos apenas as duas imagens belíssimas em sépia, postadas ontem por Francisco, e o clima que também o seu texto sugeriu do que rolou por ali, podemos saber, desde já, que o evento foi um sucesso.
Para que continuemos em torno do tema da Ruína, vou compartilhar por aqui esse poema de Machado de Assis.
Todo mundo diz e sabe que o grande escritor brasileiro era melhor prosador que poeta, mas isso não é motivo para desprezarmos sua obra em versos.
Nesse poema, temos um movimento bem interessante das personagens: uma jovem entra nas ruínas conduzida por um poeta e, ao amanhecer, temos, saindo das mesmas ruínas, apenas o poeta e a sua saudade!
Apesar de um tanto melancólico, acho que é um poema que tem um ar de coisa antiga, sobretudo, pela linguagem um tanto rebuscada de Machado-poeta, mas mesmo isso combina com o tema da Ruína em si, não é mesmo? rsrsrs
Eu também acho que ele combina com o que possivelmente ocorreu nesse evento, em que não estive, e que, apesar disso, sei (pelo tanto que conheço das pessoas que formam esse coletivo) deve ter sido o casamento da ruína com a própria poesia.
Eu também acho que ele combina com o que possivelmente ocorreu nesse evento, em que não estive, e que, apesar disso, sei (pelo tanto que conheço das pessoas que formam esse coletivo) deve ter sido o casamento da ruína com a própria poesia.
Tudo isso certamente é um convite à contemplação da beleza.
Ruínas
Cobrem plantas sem flor crestados muros;
Range a porta anciã; o chão de pedra
Gemer parece aos pés do inquieto vate.
Ruína é tudo: a casa, a escada, o horto,
Sítios caros da infância.
Austera moça
Junto ao velho portão o vate aguarda;
Pendem-lhe as tranças soltas
Por sobre as roxas vestes.
Risos não tem, e em seu magoado gesto
Transluz não sei que dor oculta aos olhos;
— Dor que à face não vem, — medrosa e casta,
Íntima e funda; — e dos cerrados cílios
Se uma discreta muda
Lágrima cai, não murcha a flor do rosto;
Melancolia tácita e serena,
Que os ecos não acorda em seus queixumes,
Respira aquele rosto. A mão lhe estende
O abatido poeta. Ei-los percorrem
Com tardo passo os relembrados sítios,
Ermos depois que a mão da fria morte
Tantas almas colhera. Desmaiavam,
Nos serros do poente,
As rosas do crepúsculo.
“Quem és? pergunta o vate; o sol que foge
No teu lânguido olhar um raio deixa;
— Raio quebrado e frio; — o vento agita
Tímido e frouxo as tuas longas tranças.
Conhecem-te estas pedras; das ruínas
Alma errante pareces condenada
A contemplar teus insepultos ossos.
Conhecem-te estas árvores. E eu mesmo
Sinto não sei que vaga e amortecida
Lembrança de teu rosto.”
Desceu de todo a noite,
Pelo espaço arrastando o manto escuro
Que a loura Vésper nos seus ombros castos,
Como um diamante, prende. Longas horas
Silenciosas correram. No outro dia,
Quando as vermelhas rosas do oriente
Ao já próximo sol a estrada ornavam
Das ruínas saíam lentamente
Duas pálidas sombras:
O poeta e a saudade.
Machado de Assis, in 'Falenas'
Maravilhoso você entrar no clima mesmo ausente Josafá, sinto dizer que você perdeu. Foi uma tarde de descanso para quem estava cansada como eu.
ResponderExcluirLindíssima sua postagem regada a Machado de Assis.
Eu também lamentei não estar lá. E que bacana a gente poder descansar em companhia dos amigos em um evento tão arrojado! Parabéns!
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