quinta-feira, 22 de setembro de 2011

QUEM É ESSA GENTE ESTRANHA



Imagine você jogada (o) no sofá de sua casa apertada, em plena tarde de domingo, comendo torresmo com suco de pera e assistindo...    ...   ...  sim, o domingão do Faustão. Os pirralhos correndo pra lá e pra cá, entrando e saindo dos cômodos incômodos, gritando em níveis crescentes, subindo e descendo escadas escuras... de fato, “passa um filme na cabeça”, diria o apresentador na tela.

Eis que, misturada à vinheta global e às vozes nada harmoniosas das crianças, vai se aproximando o som melodioso de uma bela flauta, uma intrigante castanhola, um pandeiro e um tamborim. O cortejo, parece, concentra-se ali, na porta da casa. Não era verdade. Pensou a comedora de torresmo. Olhou a TV e nada correspondeu. Estranhou a telespectadora enfadada.

Dormindo não estava. Sonhar acordada não lhe era comum.  Na frente da casa, chegavam os artistas! Ali, sentaram na beira de um batente, onde desfilavam pequenas porções de água corrente. Driblando a leve corrente, tiraram da sacola cinza os pancakes amarelo, azul, preto, vermelo e branco, o lápiz preto que desfilaria sob os olhos, fantasias misturadas às sexuais, tecidos brilhosos e uma caixa surpresa. No cantinho daquela viela, sentamo-nos para abrir alas aos personagens que vinham de dentro da alma.

Sim, era uma viela de famílias simples, crianças de olhares tristes e movimentos alegres! Logo ao entrar naquele recinto, o grupo de artistas (Plástico, Poeta, Atriz e Flautista) foi acolhido por apreciadores de cana que abriram os caminhos para o “trabalho”, oferecendo o sorriso como senha para adentrar ao palco.  Os artistas e seus instrumentos de beleza desceram à viela sob os olhares curiosos de poucos vielistas... mas, tao logo os personagens se impulseram sob o tablado asfaltado, diferentes olhares já se vagalumeavam. Era a troça dos sem-alternativas que desligaram seus controles remotos, deligaram-se em algum lugar do corpo e entraram na roda.

Que Faustão que nada! Já dissera a preguiçosa bebedora de suco artificial de pera. Havia arte em carne e osso ali! Na frente de sua casa. Para os artistas, a vida, ainda que, ali, em seu estado de salubridade ameaçada,  vinha dessa gente! Bebês, crianças, adolescentes, jovens, adultos, meninos, meninas, negros, brancos, anêmicos, não interessava a quantidade, abandonaram sua rotina domingueira para se lançarem no estranhamento vislumbrante dos poetas recitando versos dedicados entre eles, da cumadi de baixo para o cumpadi de cima, do adolescente alegre, que se apossava do megafone, para a suposta namoradinha de rosa, que solicitava permanentemente algum funk que lhe fizesse requebrar! Mas o mancebo alegre insistia em oferecer-lhe poesia... a resistente donzela decidiu funketear, no megafone, uma tal de “delícia, delícia, assim você me mata! Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego...” é...
A experiência apenas começara...

Era mais uma intensa vivência do Coletivo Cultural Pegando o Gancho, agora, em um evento denominado “Multimídia em ruínas”, em uma viela de gente simples, que de tanto lhe oferecerem pão e circo pareciam acreditar que sem a massa e o picadeiro incolor não se libertariam da ruína cultural à qual foi lançada e que tampouco expressaria o vasto sorriso alforriado que a arte, tão belamente, fez aflorar... ou foi a arte aflorada pela liberdade que esteve alí, afoita pra sair gritando!! ?

A caixa surpresa foi entregue ao jovem mancebo em sua alegria contagiante. Alí estavam o livro Perdas e Danos, da Lia Luft, um folder da eleição do Conselho Tutelar, um Estatuto da Criança e do Adolescente e um bombom de chocolate que, seguramente, tão logo visto, foi degustado...

Quanto aos outros presentes...

Cheiro de lágrimas.
Gilson Reis


Na próxima semana, Severino estará de volta...

5 comentários:

  1. Lindo Gilson!!
    Você desenhou nessas linhas o que pode representar uma intervenção artística;
    da mais singela à mais complexa...
    A arte, de fato, transforma... transcende...
    Valeu!
    Chikito

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  2. Gostei das ironias finas ao que representa a única "diversão" para os domingos de muitos Brasil a fora, a programação do "domingão" na TV. Foi contra isso e a favor de alternativas mais vitais, que esse Coletivo topou participar desse evento que conjugou muita alegria, com certeza, ao menos para as crianças: é o que se pode ver nas fotos. A arte sempre revoluciona não é mesmo?

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  3. Gilson,
    Eu já disse, mas vou registrar isso aqui. Acho que a Via Sacro-Profana foi o que ocorreu de melhor naquela tarde. Embora eu mesmo, que havia sugerido essa experiência, cheguei a pensar e teria sugerido que não fizessemnos a atividade conforme planejada. Achei que tudo ficou muito bonito, fomos capazes de improvisar, ser espontâneos... Como temos sido ao longo da História do Pegando o Gancho. As vezes um ensaio. As vezes sem ensaio nenhum. Acontecendo, simplesmente. Seu texto está de dar inveja, estou me sentido humilhado. kkkkk

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  4. Lau, eu diria: "cada um com seu cada qual"... Afinal é perfeito quando cada um tem seu jeito de fazer as coisas. Esse é um dos dons do Gilson, escrever e de outros também... porém acredito que cada um faz esse coletivo acontecer dentro do seu contexto e com a capacidade que tem. Se vc se sente humilhado, fico pensando que é melhor eu virar tatu e ficar no meu buraco ou então como meu jaboti que as vezes é até esquecido por parecer tão insignificante. Chora não, vc arrasou naquele evento. Aliás todos nós arrasamos, olha eu formiguinha...

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  5. Que delicia Luiza!!!!!! Valeu Chico, Lau e Josafá.
    Amei ter registrado estes sentimentos, mas ainda tinha muito o que expressar! Ainda tem algo a continuar, pois tem aquela imagem do menino que, quando subiamos a estrada da viela, correu pra frente de sua casa e esperou que passassemos para perguntar se nao entrariamos na casa dele... nao se pode esquecer!
    Cheiro de sede

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