No último final de semana estive com uma amiga que costuma dizer “Eu sou de lá”. Foi ela que me apresentou o texto “Provocações”, de Luis Fernando Veríssimo. O texto retrata a vida do trabalhador, pelo menos da grande maioria, de qualquer parte do mundo, mas de maneira muito especial dos trabalhadores brasileiros, realidade que conhecemos um pouco melhor. Que o texto possa ajudar em uma reflexão profícua das artimanhas das relações de trabalho, propriedade, exploração, conformismo, consciência, resistência, esperança, etc.
A primeira provocação ele aguentou calado. Na verdade, gritou e esperneou.
Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade,
ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo
chão. A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do
leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso. Outra
provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta
de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz.
Foram lhe provocando por toda a vida. Não pode ir a escola porque tinha
que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da roça. Mas aí lhe tiraram a roça.
Na cidade, para aonde teve que ir com a família, era provocação de tudo
que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco,
que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme.
Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu
uma submulher. Tiveram subfilhos. Subnutridos. Para conseguir ajuda,
só entrando em fila. E a ajuda não ajudava. Estavam lhe provocando.
Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça.
Ouvira falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era.
Parece que a ideia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação,
era uma boa. Terra era o que não faltava. Passou anos ouvindo falar
em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera.
Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação.
Mais uma.
Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo.
Para valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi
brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer
coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação.
Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã.
Talvez no próximo ano... Então protestou. Na décima milésima provocação,
reagiu.
E ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:
VIOLÊNCIA NÃO!
Este texto me leva a muitas situações presentes como também nas passadas. Vai causando uma indignação. É preciso sentir tudo isso de vez em quando para que não morrer na alienação. Boa Lau.
ResponderExcluir"EU SOU DE LÁ...." Grita amiga Chica, voce é intensa como deve ser kkkkkkk
ResponderExcluirChica é uma presença importante no nosso sarau!
ResponderExcluirEste texto apresentado por ela é sublime e a interpretação tambem.
Ela é de Lá!!!!!!!!