sexta-feira, 29 de junho de 2012

Elegia ao Velho Rio

O velho rio agoniza
envenenado pelos homens

Ontem a cidade descia
as colinas marginais
para olhar-se como vaidosa menina
em suas águas de cristal
Ontem o sol as estrelas a lua
deixavam as alturas
e se aninhavam ao fundo do rio
de onde contemplavam a cidade.

Ontem as moitas de aguapés
eram floridos jardins itinerantes
enfeitando a paisagem
Ontem os peixes abundantes
eram espadas de ouro e prata
cintilando por entre as ondas

Hoje o velho rio agoniza
está quase morto o velho rio
envenenado pelos homens
de olhos de cifrão
envenenado pelos homens

Que ébrios de lucro
destroem tudo o que se oponha
à corrida louca de sua ambição
Hoje o velho rio é espelho apagado
a cidade não consegue mais ver-se
em suas águas escuras e doentes
Hoje ele não reflete mais
o sol as estrelas a lua
nem abriga em seu seio
peixes cintilantes de ouro e prata

As asas da morte
já projetam sombra soturna
sobre o rosto dorido do rio
Em vão seus amigos
tomados de dor
ante tanta crueza
lamentam seu lento estertor
e em ruas e praças
levantam barricadas de palavras
em sua defesa
Em vão por enquanto
por enquanto em vão
tanta luta tanto pranto
As mãos criminosas continuam
envenenando o velho rio
sem punição

Carlos de Assumpção


Carlos de Assumpção, autor dos livros "Protesto" e "Quilombo", e co-autor do CD "Quilombo de Palavras", gravado juntamente com Cuti (Luis Silva) e de diversas antologias como "Cadernos Negros" (Quilombhoje) e "Negro Escrito" (Org. Oswaldo de Carvalho) é um dos poetas dos mais reverenciados na cena da literatura afro-brasileira. Foi frequentador assíduo da Associação Cultural do Negro, no centro de São Paulo, nos anos 50, onde se encontrava com ativistas da extinta Frente Negra Brasileira e com escritores e intelectuais de grande importância como Solano Trindade, Aristides Barbosa e Oswaldo de Camargo. Formado em Letras e Direito, escolheu a cidade de Franca, SP, para estudar e lecionar nos anos 80. A poesia Elegia ao Velho Rio está no livro Tambores da Noite, publicado em novembro de 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário