domingo, 21 de agosto de 2011

NÓIA
















Pai!! Ainda existe em mim uma espessa camada de sonhos que fazem sombra ao meu já desgastado e submerso mundo. Respiro. Olho entorno. Suspiro. Prefiro seguir. Ir. Paragens que desconheço e frestas que não domino. Sou pleno de vazio e inútil pensamento. Alguns que invento na ânsia de ser eu mesmo em minha meta. Estático. Mítica desesperança. O mundo mergulhado em fumaça. O nariz esbranquiçado de pó. A cabeça sucumbida ao nada. Nada. Fatalidade da alma. Fato consumado de sina sem consolo. Sou só. Zumbi. Zumbido adormecido. Vago para esquerdas e direitas, tenho sono e fujo dele, tenho dor e não me entrego. Nego. Nego a vida que em mim se mascara. Nego a negritude esculpida em lápide branca. Meu nó. Meu mocó. Minha coberta, coberta de vergonha. Meu papelão armado como tenda cigana. Minha esquina delirante. Pária. Paranoia. Latente desejo de vingança de minha fraca temperança. Farsa. Chuva fina sob minha lama. Cana. Canto. Cato. Lixo esculpido em saco preto. Saco. Soco. Meto. Mão. Cabeça. Corpo inteiro. Cheiro de urina, de madrugada. Gente sem mente. Sem nome. Com fome. Sem dente. Corpo esculpido em osso. Meu poço. Mente e dente podres. Pobre estopa. ROTA. Calçada imunda que funda em mim seu tentáculo, tabernáculo do que fui, do que fiz. Infeliz. Fétido enlace. Classe: rato. Mato. Minto. Sinto. Estúpida fadiga. Creio. Pedra. Pó. Ponta desigual. Arsenal maldito. Grito. Morro...

Vejo-os aos montes.
Pela vidraça. Pela fresta. Pelos cantos.

Contemplo-os com a palidez de quem faz nada.
Cauteloso, retorço os olhos incrédulos de vergonha.
Vago na sua solidão.
Estão por toda a parte.
À parte. Quase nada.
Invisíveis em para-brisas.
Sigo-os silenciosamente em sua ruina.
Esquina. Dia a dia. Noite adentro.
Visíveis que são em telas sombrias e escandalosas.
Centro.
Tele... Visão.
Escuridão.

Igualmente sou nada.
Penso nada.
Penso...
Penso...
E...
Nada...
Pai..
Pater nosso...

17/08/2011 – 22:59
Chiquinho Silva

6 comentários:

  1. Pai, afasta de mim este cálice... Morte inútil, Jesus...Morreste por este povinho aí? Ai, ai, ai, ai, irmão... Uma moedinha moça? preu comprar um pão...Obrigada pelo moça amigo, mas moeda eu não tenho não. Pá, pá, pá, pum...Porquê você atirou e matou? Resposta: Me olhou como se eu fosse lixo, irmão.
    Marli Pereira

    Chico delicadeza, Chico gentileza, Chico sensível...

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  2. Ao acabar de ler penso na palavra invisivel...quantos são os invisiveis...nas familias, nas escolas...tudo tão visivel a nossa volta...vidas abandonadas ou perdidas, sem identidades...Lembrei agora do texto da "Vida de Maria", postado a dias...olhar para as situaçoes com "outros olhos" ja seria um caminho.

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  3. Beleza de um nevoeiro triste...
    Tristeza bela...
    A arte e a realidade.

    Convidar o Akins para eternizar este texto seria sublime...

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  4. Chico,
    Muito bom,gosto desses textos denunciadores, um grito de protesto, provocação....

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  5. É isso aí,amor prostestante, latente, posicionado, tapa com luva de pelica ou a revoluções dos apobretados de tudo?

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