sábado, 16 de julho de 2011

A Minha Saudade Tem o Mar Aprisionado

A minha saudade tem o mar aprisionado
na sua teia de datas e lugares.
É uma matéria vibrátil e nostálgica
que não consigo tocar sem receio,
porque queima os dedos,
porque fere os lábios,
porque dilacera os olhos.
E não me venham dizer que é inocente,
passiva e benigna porque não posso acreditar.
A minha saudade tem mulheres
agarradas ao pescoço dos que partem,
crianças a brincarem nos passeios,
amantes ocultando-se nas sebes,
soldados execrando guerras.
Pode ser uma casa ou uma rede
das que não prendem pássaros nem peixes,
das que têm malhas largas
para deixar passar o vento e a pressa
das ondas no corpo da areia.
Seria hipócrita se dissesse
que esta saudade não me vem à boca
com o sabor a fogo das coisas incumpridas.
Imagino-a distante e extinta, e contudo
cresce em mim como um distúrbio da paixão.

José Jorge Letria, in "A Metade Iluminada e Outros Poemas"

4 comentários:

  1. E é aqui que me rolo e deito
    e me viro do avesso
    e cuspo fogo pelas ventas.
    ô poema inspirado, moço,
    poema sentido, poema doído e doido
    poema que queima e apoquenta!
    Marli Pereira

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  2. Belo!
    O tempo todo cresce-nos um distúrbio da paixão... seja pelo ou por quem for...
    Somos movidos por ela...
    Ela nos move neste exato instante!
    Chiquin

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  3. É, sem dúvida, uma das mais belas poesias sobre saudade, esta palavra-sentimento por excelencia!Marcelo, obrigado por me apresentar a esta obra de arte.

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  4. Esta poesia me leva a pensar em nós que nos amamos o quanto sentimos saudades quando nos ausentamos.
    Até breve Marcelo, saudades de ti como também do Júnior.

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